quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

MÃE DINÓH

Dia de luz, festa de sol escaldante e eu, com pressão baixa de tanto calor, começo a dar tratos à bola.
Culpa do sol desértico, do calor que nem um cactos suporta.
A única coisa que ainda dava sinal de vida era o cérebro.
Eu queria me movimentar mas o fogo do inferno estava tão forte que resolvi guardar energia.
Tá certo, podia passar o dia no ar condicionado mas, como não tenho "gato", a conta sempre vem e azeda o mês.
Pensei que era assim que uma planta de estufa se sentia.
Fechei os olhos na tentativa de ignorar as labaredas que me fritavam.
E surgiu, em meu delírio febril, justamente quem eu não queria que aparecesse naquele momento.
Tentei desviar, assobiar, olhar prá cima, fingir que não era comigo.
Mas a bichinha era tinhosa e insistiu em falar.
"Você pode fingir prá quem está de fora que eu não existo mas eu estou aqui e foi você quem me inventou."
 Resolvi encarar o diálogo que se passava na minha pobre cabecinha suada.
Perguntei (a mim mesma?) o que ela queria? Que eu desse algum recado, passasse alguma mensagem? 
Ela respondeu que não era fantasma, que sequer tinha feito figuração em "Ghost ", que estava ali porque eu ficava bestando, pensando em tantas situações tão claramente equivocadas, que ela tinha que se manifestar e botar ordem na casa, limpar as gavetas e separar o lixo.
Aqui vale uma explicação: Tenho uma personagem que criei para os momentos mais ou menos críticos da vida. Ninguém sabia disso, agora abri geral. Vai que eu fico doida e incorporo a Mãe Dinóh (é essa a personagem). Declaro que ela já existia antes de eu ver o mundo através das grades do hospício, se eu chegar à loucura.
Mãe Dinóh é a antítese da Mãe Dinah, aquela que trás o amado de volta em dias e que prevê o futuro.
Minha personagem destrincha o presente, ignora o passado (a não ser como fonte de ensinamento) e não quer saber do futuro, porque ele à Deus pertence.
Ela é dura e objetiva, não fica de conversa mole, não adoça o bico, pega o touro a unha, olha o Diabo de frente e não pisca.
Me diz o que não quero ouvir, me cutuca, me empurra, me faz tomar decisões e está sempre à espreita prá que eu não caia na tentação do "fazer o mais fácil", a não ser que tenha que ser, mesmo, fácil.
Ela assume quando eu enfraqueço, sopra meu barco quando o ar está por terminar, não deixa a peteca cair, pula e corta a bola mesmo quando estou com sapatos de chumbo.
Ela é minha conselheira e minha consciência, meu grilo falante.
Não me deixa perder tempo com o que não merece ou com quem não me mereça.
Amores perdi e achei e ela sempre me dizia:"Presta atenção, menina, trazer de volta a mesma porcaria? Sai fora e não olha prá trás. Investir e insistir no erro é burrice e você é tudo, menos burra."
Mãe Dinóh tem esse nome porque, na medida do possível, tenta desfazer os nós que vou atando na vida.
Ela faz com que eu não adie, não fuja, não ignore, mesmo quando quero fazer de conta que nada acontece.
"Acorda e enxerga, o problema não vai sumir se você fingir que não percebeu, ele só vai esperar e te atacar na próxima esquina."
Mãe Dinóh me ensinou que a vida acontece todos os dias e que não é ensaio, é prá valer, aconteceu, ficou registrado, nada vai mudar isso. Me fez ver que não tem problema errar, às vezes insistir no erro, mas ter a coragem de reconhecer e alterar. Me fez acreditar que sou única, que meus pensamentos me pertencem, que minha vida é a minha história e, assim, ser responsável por quem sou.
Em dias nublados, sujeitos a tempestade ela me socorre, me diz que o tempo vai mudar e eu vou enxergar com clareza, que eu não vou me perder na tormenta, que ela vai me achar e me conduzir de volta ao meu porto.
Sei que sou minha Mãe Dinóh, não rasgo dinheiro, portanto não estou louca.
Mas é bom contar com uma amiga que eu controlo, que mando ficar quieta quando me enche a paciência, embora eu não me dê descanso pois sei que a razão está com ela.
Eu e Mãe Dinóh nos completamos.
Como ela, não quero amores falidos, trazer de volta o mesmo problema, sonhar com passarinho e acordar com urubú.
Prefiro arrancar o dente, sentir a dor de uma vez, a ter medo, a aprender a conviver com a dor constante e ficar tentando aliviar com qualquer ilusão ou analgésico. Não me iludo, a dor não passa, se arrasta. Na na ni na não, não quero mesmo, nem mereço.
E assim o dia passou, o calor amainou (de 60º passou a 58°), a cabeça esfriou e consegui, enfim, relaxar.
Eu ou  Mãe Dinóh?

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