sexta-feira, 23 de março de 2012

TECELÃ

Embaixo do tapete,
por baixo dos panos,
acima de nós,
além de mim.

Não é poeira,
não há maneira
de esconder.

Decidir é escolher,
escolher é negar,
negar um de dois,
perder ou ganhar.

Abrir mão,
fechar questão,
mirar o alvo,
acertar o erro.


Ter e  não ver,
que querer não é poder,
e podendo, desistir, não fazer.

Molhar a boca,
piscar o olho,
morder a língua,
e soprar segredos.

Trincar os dentes,
cravar as unhas,,
e sorver a última gota
do teu cálice.
Me embriagar.

E o ópio,
e o vício,
e a droga,
a adição do outro.

Bater de frente,
cruzar fronteira,
romper barreira,
perder o rumo.

Desviar do caminho,
chutar as pedras,
mandar às favas
a razão.

Nosso caminho dá no mesmo lugar.

Ser tua,
ser meu,
ser minha
e ser só.

Meu gozo,
minha paixão,
minha virtude e
minha perdição.

Somos um, entrelaçados,
somos um mais um,
separados.

Venha, seja meu.
Sou sua e
vou, contigo,
ser nós.

Debaixo do tapete,
existe nossa história.

Embaixo do tapete,
tecemos nossa vida.

ECOS

Por que destruir pontes? Pelo simples fato de que não se pode atravessá-las?
Por que queimar navios? Por não poder navegar?
Por que fechar portas? Por precisar de permissão prá entrar?
A raiva que move o erro, também, pode precipitar a mágoa.
Nada é certo, tampouco definitivo. A vida acontece.
Por que julgar o proceder do outro sem conhecer a causa?
Minutos, horas, não dão argumentos consistentes prá fazer juízo do outro.
O caminhar é construído pela estrada que se apresenta, ora reta e tranquila, ora acidentada, difícil.
Quando acha que sabe de tudo, aí é que nada sabe. Mas julga.
Não sabe dos tropeços, da agonia, da solidão.
Não sabe das alegrias, das compensações, da força que precisa ter prá continuar.
Mais fácil é, de fora, determinar a falha, de caráter, de vontade, de dignidade.
Quantas vezes nos pegamos criticando as atitudes do outro, nos dizendo que jamais faríamos o que o outro faz.
Acontece que teríamos que calçar os sapatos do outro e caminhar pela mesma rota traçada pela escolha alheia. Certa ou errada, foi a vida acontecendo e exigindo respostas imediatas.
Minha história foi escrita por mim e não quero dizer que acertei todas as questões apresentadas.
Quer dizer que, no momento em que acontecia, não havia como prever a conta do futuro.
Sou produto das minhas opções, outras escolhas fariam outra história, talvez mais fácil.
Mas não há como retroceder, vivo com as sobras do passado, tento sobreviver, existir no presente.
Não sou egoísta à ponto de fazer sòmente o que me interessa. Não sou uma ilha.
Vidas se interligam à minha e tenho que ter cuidado e respeito, devo equilibrar desejos e necessidades, tentando adaptar meu espaço e, se necessário, cedê-lo.
Não esqueci de mim mas não consigo negar assistência à quem precisa.
Uma conversa, um olhar, um sorriso, às vezes é tão pouco que não me tira nenhum pedaço.
Às vezes é muito mais, é uma presença constante, uma mão segurando o eternizado momento de fraqueza, uma impossibilidade de se negar apoio. É a vida apresentando a conta.
Mas nada, nada, nada, dá o direito, à quem quer que seja, de julgar e condenar uma pessoa pelas escolhas feitas e tentar crucificar alguém por erros cometidos em situações improváveis mas, absolutamente, reais.
A realidade é a soma de todos os erros e acertos`. É transformar a perda em recompensa.
Talvez eu não tenha tido a habilidade de lidar com as dificuldades e, como não sabia contorná-las, assumia e seguia.
Crescer, dói.
Amadurecer com enganos, tira a alegria de estar no mundo.
Envelhecer, pacifica.
Apesar de todos os pesares, do amor próprio ferido, da dignidade fraturada, da vontade subjugada, da possível submissão, não tenho o direito de me arrepender e não posso permitir que me julguem por um passado que só eu vivi.
Mesmo não tendo me acompanhado no meu caminho, não tendo presenciado minhas lutas interiores, não tendo me conhecido, mesmo assim, sou julgada.
Eu me credito um pouco de aceitação e respeito pelo que fiz de mim.
Não procuro entendimento ou compreensão, mas não aceito julgamento sumário por quem não é capaz de lidar com a humanidade de ser.
Simples, é simples, assim. Ser humano.
Pior, ainda, é abrir seu "livro" interior, sua vida, e ser traída e apedrejada por ser quem é. Por fazer o que é preciso. Por ser, talvez, chantageada.
Ainda que eu fosse indigna, uma fraude, um desastre emocional, ainda assim, mereceria, pelo menos, atenção.
Recuso advogado de defesa e recuso, também, juiz tendencioso, eu sou meu próprio juiz e não preciso me defender. É a mim que devo me reportar. É comigo que tenho que me entender.
Nada devo e nada cobro, a não ser que me deixem respirar meu próprio ar, contaminado, que seja.
Sem inquisição, sem tribunal de exceção, sem execução sumária.
E, por fim, em última instância, cito Nelson Rodrigues:
Perdoa-me por me traíres!

domingo, 18 de março de 2012

CARTA A UM DESCONHECIDO

Meu caro amigo.
Não sei quem você é, sei que preciso de você.
Queria te dizer de mim, queria saber de você, de sua vida, de seus sonhos.
Queria ser aquela que compartilha momentos bons, ser a que protege de momentos maus.
Queria conhecer quem me tira o sono, me faz ficar desperta, me acompanha na vigília.
Tenho você em mim, dentro de mim.
Tenho uma vida tranquila e centrada. Ou tinha.
Tenho histórias prá contar e tempo prá ouvir outras narrativas, novas, estimulantes.
Queria te conhecer.
Queria encontrar esse amigo que habita meu imaginário, que entra, sem ser esperado, no meu espaço tão duramente preservado, que invade meu tempo, que rouba minha solidão ao me fazer companhia.
Queria, meu amigo, dar voz e corpo a uma sombra que surgiu.
Queria desfrutar essa comunhão, essa aproximação.
O fato de você não existir no meu mundo, me faz querer viajar por outros, buscando o que nos seja comum.
Na verdade, não deveria conhecê-lo, não quero quebrar a força que me mantém, não quero perder o juízo. Ou será que já perdi?
Você se tornou o ideal e inatingível, a possibilidade remota e perseguida, o motivo e a razão.
Criei esse amigo, fui criada por ele. Esse amigo me entende, estimula, acompanha e preenche, me afoga em esperança.
Gosto de saber que você existe, gosto de te procurar em pessoas impossíveis.
Me impulsiona saber que essa procura pode ter fim, ao achá-lo.
Saiba, querido amigo, que sua casa é minha cabeça, ninguém entra ou sai dela sem minha permissão.
Entenda que te protejo porque você mora em mim, em um território escriturado, com aviso de "Não transpassem".
Amigo querido, você e eu nos pertencemos porque somos estranhos, sem passado, talvez sem futuro.
Nos aproximamos porque estamos afastados, porque somos a possível impossibilidade.
Somos amigos porque não nos conhecemos, porque não temos interferências, ruídos, porque imaginamos, criamos, e mantemos laços estreitos de afeto, desatamos nós antes de serem apertados, respiramos através das letras.
Não sei quem você é. Você me escapa entre os dedos, não aprendi a retê-lo.
Murmuramos entre nós, dialogamos mentalmente, já nos pertencemos.
E, ao pensar em você, construo um lugar, o mais próximo possível da felicidade.
E tenho muito tempo, ainda, prá encontrar a alegria que guardamos prá nós.
Com você, posso ser outra.
Meu mundo se expande, meu afeto me espanta, tua presença, ausente, me acompanha. Tenho alguém, mesmo não te tendo.
Tenho a certeza de ter achado, no meu último momento, o que esperei a vida inteira.
Simples, assim.
Com amor...

quinta-feira, 8 de março de 2012

DE CORPO INTEIRO / RETRATO

Um olhar, enviesado.
Um sorriso, desconfiado.
Um tocar, atrapalhado.
Um gostar, envergonhado.
Um carinho, represado.
Um beijo, abortado.
Um corpo, acalorado.

Frases, mal formuladas.
Palavras, profanadas.
Ações, mal cuidadas.
Silêncio.

Mente, inquieta.
Alma, retorcida.
Dores.

Querer e não saber,
se quer o que sabe que tem.
Saber que o que se quer,
tem um preço, ao se ter.

Pagar prá ver ou
ter sem pagar?

Nascer e morrer
e, no meio, viver.

E nessa vida, no meio,
responder, afirmar, sentir, amar.

Ser menina, ser mulher,
ser louca e recatada,
ser perdida e procurada,
ser cama e mesa,
ser o que nem sabe que é.

Enxergar, não só ver.
Ouvir, não só escutar.
Dizer, não só falar.

Percorrer a estrada do corpo,
buscando a explosão que destrói represas,
que causa enchentes e desatinos.

E sorrindo, morrer um pouco, de tanto prazer.

terça-feira, 6 de março de 2012

IMENSIDÃO

A natureza é sábia.
Nos dá o sol, a chuva, estrelas, lua, fauna e flora, belezas em por do sol, raios e trovões, mares, lagos, águas que se transformam em ondas, gelo, quedas d'água que nos presenteiam com arco-íris. Nos dá dias e noites, nos dá a dimensão do que somos diante dela: figurantes em seu cenário.
A natureza é avassaladora com seus terremotos, tsunamis, furacões, tempestades, avalanches e nos mostra quão impotentes somos diante de sua fúria.
Sabemos que temos que nos curvar e admitir a fragilidade humana.
A natureza é uma força incontrolável e inesperada, trapaceia as previsões da ciência que quer domá-la. Exerce seu poder transformador e muda o que quiser, sem nenhuma chance de controle.
Fazendo parte da natureza, também temos nossos dias de fúria, de lago tranquilo, de terremotos existenciais, de geleiras sólidas, de estrelas cadentes.
A lua nos determina ciclos, as estrelas nos apontam caminhos.
A microscópica situação humana é irrelevante diante de tamanha força.

É só isso que sou, um grão de areia sem nenhuma importância.
E, só porisso, tento inventar meu mundo, construir minha natureza.
Assim, quem sabe, encontre um outro mundo, construido por outra pessoa, onde seja possível descontrolar as marés.
E deixar que as águas rolem, que o tempo mude, que a árvore cresça, que o ar envolva.