sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ÚLTIMA CHAMADA

"Queima total! Grande liquidação!
Aproveite os preços de ocasião!
Venda com descontos de até 99 por cento!"
Resolvi fechar minha lojinha de possibilidades.
Com o estoque encalhado, fiquei sem capital de giro.
Minha mercadoria está com validade vencida e não consigo parar de ter novas idéias sem ter mercado prá desová-las.
Considerei a possibilidade de passar o ponto mas não há interessados.
Aliás, não sei como ter contato pessoal com outro ser humano.
Porisso, desisti de procurar.
Não existe mais possibilidade aplicável.
Sempre achei que o contato entre pessoas, olho no olho, cara a cara, fosse o principal motivo de dar chance à química de se manifestar, a causa de se fazer amigos, amores, laços.
Dei de cara com um muro quase intransponível, o mundo virtual.
Meus amigos, conquistados com abraços, sorrisos e corpo presente, agora se manifestam através de emails, facebucando a relação.
Telefone, voz, só em em caso de emergência.
Até a morte é comunicada virtualmente!
A insensibilidade parece ser a maneira de se preservar da dor, da compaixão.
Tudo virou postagem. Tudo é em tempo real e impessoal.
Como conversar sobre uma aflição? Como perceber que, do outro lado da tela, existe uma pessoa que se preocupa, que dispõe do seu tempo prá ouvir, que seja, o seu apelo?
Todos viraram amigos virtuais. O que isso quer dizer? Que você me conhece, que temos afinidades, que conquistamos um ao outro?
Vejo pessoas procurando em sites de relacionamento, um ser compatível com seus desejos.
Como se fosse possível acreditar que alguém vai expor outra coisa que não o pedido.
"Quero uma loura, com 1,70 m, dentes perfeitos, independente, carinhosa, paciente, que me aceite e compreenda minhas imperfeições." Do outro lado, responde através das teclas, uma morena baixinha, carente, com prótese nos dentes, sub empregada e desesperada prá encontrar alguém que possa se relacionar, nem que seja virtualmente.
"Sou um homem carinhoso, bem resolvido financeiramente, atlético mas muito tímido, temeroso de me quererem pelo que sou, exteriormente." Então, tá! Esse homem estaria solto no mercado das carnes? Me engana que eu gosto!
Perceber essa busca solitária me atormenta, me deixa louca da vida, me põe de frente com as impossibilidades, eu que acredito nas possibilidades.
Inventamos quem queremos ser, sem ter o trabalho de procurarmos ser.
Trocamos de máscara segundo a vontade do internauta.
Certa vez, testando até onde a invenção pode levar a imaginação do outro, coloquei um perfil - falso, como quase todos- em que me dizia loura NATURAL (sou morena), alta (meço 1,63), magra (isso eu sou), enfim, todos os predicados exigidos pelos pretendentes da rede. Conclusão, 73 interessados. Só rindo. Setenta e tres idiotas que acreditaram na própria fantasia.
Um amigo entregou os pontos à internet e resolveu buscar um par. Mas, espertamente, marcou o encontro - óbvio que se colocou como o último biscoito do pacote, coisa que, definitivamente, ele não é-  foi ao encontro com roupas diferentes do que ele tinha dito que ia, chegou bem mais cedo e esperou que a escolhida chegasse. Preciso narrar o que aconteceu? Tá bom, eu conto. A pretendida se vendeu como modelo de mulher perfeita, corpo irretocável, bonita, inteligente, essas coisas que viraram chavão no imaginário da grande maioria dos homens, e a coitada era, simplesmente uma mulher comum, nem bonita, nem feia, nem alta, nem nada daquilo que ela dizia ser. Se era inteligente, ele não ficou prá saber. Provavelmente, não era.  Não se exporia à mentira que criara prá encontrar um engano. Quando ele viu aquela mulher, ele entendeu que a vulnerabilidade dos dois levou a um erro de pessoa, nada era verdadeiro ali, a intenção, ela e, muito menos, ele.
Me dizem, os facebucados, que têm 543.921 amigos. Ahan! Como? Que tempo têm prá estabelecer contato mais aprofundado prá reconhecer um único amigo? Como chamar de amigo alguém que está se relacionando através de um teclado? Na solidão, cada vez maior, de seu quarto ou escritório?
Onde mãos não se tocam, não se trocam sorrisos, afetos, carinhos, onde o som da voz não é ouvido?
Ou pensam que pressionando as teclas estão trocando carícias?
Só cego usa as digitais prá reconhecer e acarinhar o outro, desenvolveram a sensibilidade ao toque. Sentem o outro através do leve toque mas, mesmo eles, precisam do contato pessoal. E dizem que, por essa deficiência, são os melhores amantes. Porque imaginam o outro, são sensíveis aos cheiros, gostos e, delicadamente, usam as mãos no outro. Preciso provar essa tese.
Meu balcão de afetos está repleto de carinhos sem uso, novos, na caixa, têm até manual de instrução para aqueles que esqueceram como funciona, mas, infelizmente, não há quem queira comprar.
A cestinha de conquistas está meio empoeirada mas, com uma soprada de interesse, elas voltam ao brilho original.
Minha loja de contato e possibilidades está com as prateleiras cheias de amores esquecidos, de carinhos mofados, de possíveis relações perdidas e de cumplicidade desbotada.
Como, no mundo real, não há interessados na compra, resolvi, ou dar de graça, sem esperar nada em troca, ou deixar, em inventário, prá uma próxima geração que se interesse em pesquisar, como arqueólogos de emoções, como era possível, há pouco tempo atrás, procurar a felicidade ou a dor, convivendo, tocando, de corpo presente, sem mentiras ou fantasias.
Essa é uma chamada final, os interessados em uma vida com luz, sons, gente, saiam de suas tocas, onde preservam suas solidões achando que estão interagindo com o mundo, e descubram o que é viver de verdade.
Queria que fosse possível uma reinauguração.
Mas acho que esse é mais um item inútil na minha fracassada negociação com esse novo mundo de relações vazias.
Pena!

sábado, 18 de fevereiro de 2012

FUGA

Não é que eu seja exigente, sou seletiva.
Tentam me vender gato por lebre e acham que vou engolir.
Não aceito que me empurrem, goela abaixo, menos do que me devem.
Sei que, às vêzes, tenho mais do que preciso, mais afeto, mais paciência, mais jogo de cintura, mais espaço e, em determinadas ocasiões, menos, muito menos.
Acham que amar basta mas, meu caro, amar não basta. Em todos os sentidos.
Amar não é determinar o que o outro merece. Amor é verbo conjugado a dois, sem esquecer que o parceiro é um indivíduo e não metade. Não sou meia pessoa, não sou sombra de ninguém.
Não admito que sombreem minha vida, assim como não permito que qualquer pessoa se deite em minha sombra.
Nunca enganei ninguém, o que se vê é o que se tem. Nunca fui de jogar prá ganhar, sempre fui transparente.
Amar é laço, não é nó.
Se apertam o nó, falta oxigênio e sem respirar, morro.
Todo início de relação deveria ser o momento de usar o manual de instrução:
1° passo: Não esqueça que o produto é frágil, cuidado quando manusear!
2° passo: Quando o aparelho super aquecer, se afaste por algum tempo para que ele esfrie.
3° passo: Não deve ser usado diariamente para não haver desgaste.
4° passo: Use com moderação e atenção para mantê-lo em perfeito funcionamento.
5° passo: Quando precisar de assistência técnica, talvez seja o momento de trocá-lo.
6° passo: Em caso de troca, mantenha distância do antigo.
Isso evitaria muita dor de cabeça.
Desconfiei que nosso produto estava deteriorando quando começou o cuidado extremado, o interrogatório, o controle.
Saiba que nem a mim dou satisfações do que faço. Se não é imoral nem ilegal, faço.
Nunca te trai e confesso que você merecia. Acontece que não sou assim, não sei começar nada sem terminar e enterrar o que passou. Até porque, o próximo não tem que pagar as penas do anterior. Se vou prá uma relação, vou zerada. Seria um desperdício de tempo e energia ficar cobrando os erros de uma outra pessoa. Cada relação tem um código, escrito pelos que estão nela, acordado pelas partes.
Ainda não nasceu quem me diga o que posso ou não posso, devo ou não devo fazer. Não sou maluca nem impulsiva, uso meu cérebro e os limites dos outros prá perceber até onde posso ir sem arrombar a porta da privacidade.
Respeito silêncios e sumiços, melhor não falar quando não se tem nada prá dizer, bem melhor sumir quando falta espaço, quando o garrote sufoca.
Não sou criança prá que me digam onde posso ir, com quem devo estar. Sou criança quando me divirto, quando escancaro o riso e brinco, gosto de brincar.
Sou responsável por mim e não sou deficiente emocional, não preciso de bengala prá apoiar meus desacertos. São meus e deles eu cuido.
Mas, também, não sou analista de plantão prá que despejem em meus ouvidos as agruras de uma vida muito mal resolvida.
Não que a minha seja sem problemas, ela é cheia deles, mas, por favor, estar com alguém deveria ser mais prazeroso e menos enfadonho e repetitivo.
Todo mundo tem seu dia de raios e trovões, cansei de me ensopar nas minhas tempestades emocionais, me lanhei em relações espinhosas, sangrei com cortes secos, mas lambia minhas feridas e esperava cicatrizar sem alugar um incauto qualquer.
Não uso afeto como peça de reposição, sai um entra outro. Não sofro dessa carência, graças a Deus.
E aprendi a sair com elegância em qualquer situação, chutando ou sendo chutada.
Você foi propaganda enganosa, vendeu o que não tinha, mostrou o produto maquiado.
Foi o próprio "médico e monstro", início gentil, divertido, atencioso, e se transformou quando me envolvi e confiei.
Sou difícil de ser enganada mas você conseguiu. Que ator! Que talento desperdiçado!
Como não sou platéia, sequer aplaudo.
Se vale o conselho, não pese a mão na próxima, deixe espaço prá respirar, enterre os fantasmas de outras que passaram em sua vida, enxergue com outros olhos seu próximo amor, faça com que ele seja leve, suave, escolha ser feliz, despreocupado. Ninguém fica com ninguém, se não quiser, não adianta forçar, perde o encanto, perde o prazer, a espontaneidade, perde a razão de amar.
Construa uma vida com espaço suficiente prá dois, deixe portas e janelas abertas, assim, vendo que se tem liberdade, sempre se escolhe ficar.
Eu escolhi partir e, ao sair, espero ter fechado prá sempre a porta estreita por onde escapei.