domingo, 20 de abril de 2014

...QUEM QUISER QUE CONTE OUTRA


A Cinderela e seu Príncipe são o ideal que as meninas perseguem, até hoje.
Acreditam que vão transformar aquele ogro em um exemplo de cavalheiro.
E eles acreditam que surgirá daquela caça dotes, uma mulher perfeita.
Até pode acontecer, dependendo do humor dos astros que chancelarão aquele encontro, mas a probabilidade de continuar o sonho é quase nenhuma, depois de algum tempinho. Cinco dias, talvez, é o suficiente para que o pesadelo se instale.
Ele vai perceber que seus "dotes" estão no banco, rendendo juros que abrilhantarão os dedos de sua amada, cobrirão seu corpo de sedas importadas e que, para descobrir o que a seda cobriu, será necessário mais juros e mais "renda".
Ela descobrirá que seu amado é sovina, controlador e grosseiro. Que o Príncipe cuida do seu reino e de sua Princesa com mão de ferro. Afinal, ele detém o poder e ela contém a dissimulação.
Onde foi que entrou o amor nessa história? Depende do ponto de vista. O dela seria o amor ao que o dinheiro pode proporcionar, o dele seria o amor pela vitrine que o permite ser visível ao lado de uma mulher bonita e, possivelmente, bem mais jovem.
Típico amor- troféu que tanto vemos por aí.
Se iludem, achando que transmitem credibilidade, quando o que se vê é o ridículo deste par improvável.
Acho que imaginam que travestindo o interesse por amor, enganam os trouxas. Faz-me rir!
Já repararam que, principalmente o homem bem mais velho, se acha o garotão mais sexy da face da terra, ao cruzar com uma ninfeta interesseira? Quer acreditar que são seus "dotes" físicos e intelectuais que atraíram aquele esplendor de juventude. Me poupe. Das duas, uma: ou ela tem carência da figura do avô - nem é do pai que estou falando - ou é golpe do baú.
Alguém acredita, de fato, que é possível uma pós adolescente amar, desinteressadamente, um setentão? Só se for uma debilitada mental que tem fixação em doenças senis! E quando elas aparecerem - se é que já não se instalaram - se verá o tamanho do afeto em contraposição as "ites" e aos "ismos". A saber: artrite, bursite, prostatite, reumatismo, etc. E mais: surdez, vista cansada, perda de reflexos, esquecimento, doença cardíaca, pressão alta e libido baixa, diabetes. Ou está pensando que tudo são flores e que uma boa enfermeira resolve?
Vai se perguntar por que o sapo continua sapo e não virou príncipe ao primeiro beijo. Pode ficar tentando, achando que no segundo, terceiro, vigésimo, milésimo beijo, a mágica vai acontecer.
Péssimas notícias: não vai acontecer nunca.
E quando a história que guardamos na memória, nunca aconteceu, de fato? Ou aconteceu com outra pessoa e roubamos a história? Ou com pessoas diferentes das que insistimos em reter na memória?
Sempre contamos histórias fabulosas de um passado repleto de acontecimentos heróicos, grandiosos, cinematográficos.
Criamos a fantasia e acreditamos. As relações teriam sido com pessoas que, comprovadamente, não existiam ainda, ou sequer passaram por onde as colocamos em nossa mirabolante paisagem afetiva.
Trapaceamos o tempo todo com a memória, sabendo que a memória se engana e nos engana.
Quando ouço relatos de passado de glórias, de admiração exacerbada, de amores que mais parecem saídos da literatura, faço cara de paisagem e peço provas. Geralmente, não existem, por vários motivos. Mas o motivo é um só: cada um se dá mais importância do que tem, achando que será reverenciado pela vida inventada. E assim nascem os grandes prestidigitadores, manipuladores e egocêntricos. Mas é assim, também, que surgem os loucos, tiranos. 
Portanto, muito cuidado quando o delírio criativo se apossar de sua mente.
Faz mal para a saúde dos ouvintes e muito mal para aquele que corre o risco de ser desmentido pelos fatos.
Melhor escrever um livro de ficção e ainda ganhar dinheiro com isso.
Já que é para tirar o pé da realidade, assuma que inventou uma história. Despeje nela todo o recalque por uma vida comum, ordinária, previsível. Encare que o super homem tem medo de barata, a linda manceba tem mau hálito, o vilão é vesgo e nunca acerta o alvo e que o máximo de mundo que você viu, é o que se descortina da janela do seu quarto, levando pessoas que, dentro dos seus carros, passam pela estrada que é a sua mais próxima paisagem.

E entrou por uma porta, saiu pela outra...