terça-feira, 19 de julho de 2011

APRENDIZ

Apague a luz. Deite ao meu lado.
Hoje eu vou guiar teu desejo. Você vai procurar o meu.
O único sentido que não vamos usar é a visão.
Vamos ser cegos por algumas horas, buscar os outros quatro sentidos que achamos que usamos entre nós.
Comece lendo meu corpo nas pontas de seus dedos. Desvende meus poros, sinta meus pelos, percorra meus braços, meu ventre, meu rosto. Sinta em minhas costas o caminho que vai do pescoço até o cóccix. Sabia que tenho covinhas em minhas ancas? Tente gravar o que seu tato lê.
Segure minha mão, meus seios, apalpe meu quadril, aperte meus braços, minhas pernas, sinta.
Agora, apure o olfato, como um animal, me cheire. Cheire meu pescoço, minhas reentrâncias, cheire o ar que se desprende de mim, perceba o aroma que só eu tenho.
Eu sei o seu. Você cheira a mato, a folha que recém caiu, cheira a terra depois da chuva.
Qual é o meu? Descubra.
Ouça. Me ouça. Qual a frequência dos meus suspiros, meus gemidos, quantos decibéis têm meus gritos?
Entro no seu prazer pelo som? Você entra no meu pelo riso alto, pelo som gutural. Você cerra os dentes e deixa passar o ar entre eles, como um assovio.
Prove meu gosto, desenhe com a língua seu nome em minha pele, escolha o lugar. Sinta o sal que tenho no suor e o sabor adocicado de minha seiva. Conheço teu gosto agridoce quando o prazer explode. Detenha-se, conheça, explore.
Faço com você o que nunca fiz, permito que me conheça.
Quando apagamos a visão, entendemos o que o outro quer. Essa é a grande vantagem dos cegos, enxergar além do que os olhos vêem. Porque ver e enxergar são duas coisas distintas.
Ver é captar a imagem, enxergar é entender o que vê. Na ponta dos dedos se enxerga melhor.
Ouvir, também, é diferente de escutar. Escutar fica na superfície, ouvir é mais profundo. Escuto qualquer coisa, ouço o que me interessa.
Comer não é degustar. Como prá sobreviver, degusto o que me dá prazer. Prove meu sabor.
Propus essa expedição porque  quero que você conquiste seus sentidos, anule a razão e se perca na intensidade do desejo, não só físico.
Não facilite a entrega, não apresse o gozo, não menospreze o prazer. Prolongue o desejo.
Caminhe na ponta dos dedos, libere o tato.
Defina o perfume que exalamos, juntos, use a memória olfativa.
Tenho lembrança de outros perfumes, gravei o teu.
Onde estiver, com ou sem você, vou lembrar do teu cheiro.
E o gosto? Posso provar milhões de sabores, o teu será único.
Quero que você me descubra e me faça especial.
Você vai se lembrar de mim, vai sentir que não me visitou, viveu em mim.
Vai me associar a cheiros que virão de fora, maresia, terra molhada, alguma fruta, qualquer flor.
Vai me ouvir no som do rio correndo, da onda batendo, do vento uivando ou do que me represente em sua memória.
E sua lingua vai guardar o gosto que só eu tenho e só você sabe qual é.
E quando sua sensibilidade estiver apurada, talvez eu te mostre um caminho que só as mulheres conhecem, a intuição.
Mas o sexto sentido só vai aflorar quando todos os outros puderem ser usados sem treino, espontâneamente.
Porisso, vamos às aulas, comecemos do início.
Tente ser um aluno aplicado, o que estou ensinando não é só prá mim, é prá depois de mim, também.
No escuro, você vai entender o que significa estar com quem se quer.
Vem, me dê sua mão. Apague a luz.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

HOJE

Desculpe, mas não vou recomeçar.
Prá que? Já sei onde vou parar e, cá entre nós, recomeçar é insistir, procurar motivos para acreditar que é possível mudar a história.
Prá que isso acontecesse, seria necessário trocar as personagens, o cenário e aí já seria uma nova história.
Desisti de me ferir esperando por você.
Eu, que tenho uma vida, estaciono, esperando que você decida que vida quer viver.
Pura perda de tempo, energia e sentimento.
Enquanto eu amo, você se debate em dúvidas.
Não acredito que se tenha dúvida sobre amar ou não, alguém.
Não é possível intelectualizar um sentimento, é incontrolável.
Acredito que medos, inseguranças, possam brecar a entrega mas duvidar, não, não é possível.
Posso não querer estar com aquela pessoa, entender que vai me fazer mal, não querer arriscar, não confiar, recusar. Mas duvidar? Não!
Sei que não posso ter a certeza de que o amor dure prá sempre, mas não duvido do amor que sinto, hoje.
Sei que as pessoas mudam, prá melhor ou pior, e que isso desequilibra a relação, mas começar sem confiar? Não, não quero isso prá mim.
O que eu tenho prá viver é o que sou, hoje. Amanhã é outra página.
Não posso deixar minha vida prá amanhã,  porque ele não existe. Hoje é o amanhã de ontem.
Você esperava que eu mudasse e me tornasse seu apêndice, que concordasse em apagar meus desejos e vivesse os seus. Até tentei me anular, mas não seria eu e sim você, duplicado.
Tentei ser seu espelho, mas não consegui apagar a minha imagem, é mais forte que eu. Insisto em respirar por mim, enxergar por mim.
E o que tenho enxergado de você, desculpe, não me agrada.
Não me agrada bancar a serva de um tirano, de um vampiro, que suga a minha sede de viver.
Ainda acredito em transformações, em mudanças, acredito que posso me mudar, transferir meu amor. Trocar o quarto apertado em que você quer me trancar e achar o jardim que mereço.
Respirar. Inalar e exalar. Oxigênio.
Sair da solitária e encontrar a claridade que preciso.
Amar não basta, te amar, já não basta. 
Feliz ou infelizmente, luto prá não cair na sombra de ninguém.
Sua vida é muito pequena prá comportar mais uma pessoa dentro dela. Não haveria lugar prá mim. Existir demanda espaço prá crescer. Não devo me apequenar prá estar com você.
Dizem que só os idiotas são felizes, acho que nunca vou ser, tenho uma cabeça que raciocina e nem penso em descartar essa vantagem.
Viver, no final, é isso, a eterna busca da felicidade e, geralmente, ela não está onde a gente quer.
Mas não aceito ser infeliz amando uma pessoa. Amar é querer que o outro seja feliz com a gente, é buscar pontos de encontro entre duas pessoas diferentes. Quando um começa a querer mesmerizar o outro, acaba o amor e vira outra coisa, posse, domínio, jugo. Não vou deixar que aconteça, não quero, não mereço.
Achei que queríamos trocar, somar, construir uma relação. Eu quis.
Estou saindo da sua vida, despejando minha dor, reencontrando a mim mesma.
 O que não me mata, me fortalece.
Tijolo à tijolo, vou construir meu alicerce.
Sinto ter que abortar uma esperança, outras virão.
Sinto ter acreditado, ter confiado e me desiludido.
Mas faz parte do aprendizado.
Sinto, por último, ter te conhecido e investido um tempo precioso numa existência vazia.
Ontem você era meu amanhã, hoje você é meu ontem e, ontem, não volta.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

UNIDUNITÊ

Só prá lembrar, a vida é muito injusta.
Quando nascemos somos uma página em branco. 
Vamos marcando essas páginas com o que aprendemos, escrevendo nossa história, desenhando nossos caminhos. Quando possível ou necessário, alterando roteiros.
Crescemos tentando abrir os olhos e mentes, tateando entre o certo e o errado, buscando a felicidade, aprendendo letras, números, códigos, regras, aplicando o que apreendemos, descartando o que parece inútil. Escolhendo.
Vivemos assim, fazendo escolhas sem saber, intuindo.
Mas, quer saber? Elas são definitivas. E, nem sempre, são as certas.
Elas nos fazem tomar um rumo que só vai se revelar lá na frente, onde não é mais possível voltar atrás.
São infinitas as possibilidades, tanto de erros quanto de acertos. Mas se não optarmos, não saímos do lugar confortável em que estamos e que não nos leva a nenhum outro.
Escolhas são difíceis mas necessárias. Elas deslocam o ar e empurram nosso destino.
Ouvi, não sei onde, que nascemos com uma sina e fazemos nosso destino. Entendi que, se nasci com a sina de ser o que não consigo ou não quero ser, cabe a mim modificar o trajeto.
É mais fácil dizer, sou assim e pronto, quem quiser que me aceite, difícil é ser responsável pelo que fizemos de nós. Nossas escolhas nos definem.
Minha vida é responsabilidade minha, de mais ninguém. Não devo culpar o outro pelas minhas escolhas, nem dividir o ônus do erro que, por acaso, cometa.
Minha contabilidade, entre deveres e haveres, só diz respeito a mim, como administro minha passagem por aqui é problema meu.
Porisso, não entendo nem aceito quem deposita sua existência na conta do outro.
Quanto mais avanço em idade mais definida fica a resposta que busco.
Não posso dizer que me conheço profundamente, há dobras em mim que, ainda, não percebi. Me surpreendo com sentimentos e reações que não imaginava que existissem em mim. Mas, também nesses momentos, avanço em conhecimento e capacidade de entender, aceitar ou transformar. Tudo é lucro a essa altura da vida.
Vida: livro sempre repaginado, editado diariamente, reescrito a cada instante e, principalmente, assinado por quem a vive.
Tenho minhas digitais imprimidas em toda a minha história, nunca, ninguém decidiu por mim, podem ter, talvez, orientado a tese mas a prática quem escolheu fui eu, a argila foi moldada por mim e pela obra, me responsabilizo.
Sei que não é um caminho fácil, na maioria das vezes é insano ter que optar, mas vou sempre decidir pelo que eu considero acertado e bancar o escolhido. Da mesma forma que não aceito ser responsável pelo vizinho, não me permito jogar nas costas de quem quer que seja o que eu escolher.
Não serei jamais a pobrezinha, vítima de outra pessoa, estranha ao meu destino.
Se não posso controlar o que me acontece, posso aprender com o acontecido.
Se não tenho como fazer quem eu quero me amar, vivo a perda, o luto e aprendo a escolher melhor.
Não posso impor ao outro minhas escolhas, devo ser coerente com elas.
Se me dizem que estão confortáveis com sua vida e se esse conforto atrapalha a minha, opto por mim.
Porque, no final do dia, é comigo que tenho que me entender.
Viver não é um parque de diversões mas não é, também, um circo dos horrores.
Pedras, tropeços, furacões, dilúvios, tudo é parte da existência.
Arco íris, amanhecer, sol, também.
Perder e ganhar, amar e sofrer, rir e chorar, sonhos e pesadelos.
Aprender. Acreditar. Valorizar.
Perceber o abismo, desviar ou cair?
Escolher.
A vida é injusta porque quando podemos, finalmente, usufruir o que aprendemos, ela acaba.
Mas é isso ou nada.
Prefiro uma vida injusta e responsável a outra vida qualquer.
Mas prá isso é preciso escolher, desde a roupa que vou vestir, o prato que vou comer, até a pessoa com quem quero estar.
E, dentre todas que conheço, escolho estar comigo. De preferência, de bem comigo.