segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SOBRE A AMIZADE

Reunião anual dos amigos, esposas e agregados.
Muita comida, bebida, piscina e campeonato sub-65.
Cabelos grisalhos, algumas barrigas proeminentes e, principalmente, muita alegria.
- Pô, Betão, como é que você perdeu dois gols feitos?
- Acontece, né?
- Xandinho faria, não faria?
- Eu estava sem óculos, cara!
- Mas, Betão, tu nem chutou pra corner, deu lateral, LATERAL, longe pra burro das traves.
- EU ESTAVA SEM ÓCULOS!
- Então, joga de óculos.
-Piora. Com óculos, o suor e o calor embaçam as lentes. Aí é que eu não enxergo nada, mesmo.
- Tá, Serginho, e o Paulão? Engoliu seis frangos!
- Não sou goleiro. Só estava lá porque foi sorteio e ninguém quis trocar de posição comigo.
- Cara, tu é muito ruim, nem se esforçou.
- E tu acha que eu vou encarar penalti? Eu, não! Quando a bola bate na mão ou no peito, arde pra cacete.
- Mas, também, não precisava se agachar e ver a bola entrar.
- Fui amarrar as chuteiras e o Nei não esperou.
- Não esperei porque o juiz apitou. Você é que estava fora de posição.
- O Carlinhos nem corre e ninguém fala nada.
- Eu corro, sim. Só que meu ritmo é mais cadenciado, eu meio que deslizo.
- A idade tá pesando.
- Que idade, nada! Estamos é com peso na barriga, isso sim!
E brindam ao sobrepeso!
- Vem cá, João, responda a pergunta que não quer calar, como é que você consegue se manter em forma?
- Larguei a Marilda!
- Tá explicado.
- Eu estava pior que vocês todos juntos.
- Também não precisa desmoralizar!
- Sério, rapaz. Eu estava tão infeliz que nem me olhava mais.
- Agora, meu amigo, que você pulou fora, vou te contar um segredo da turma: nenhum de nós engolia aquela fera.
- A gente aceitava porque era tua mulher, a gente queria estar perto de você, então valia o sacrifício.
- Eu sei o que vocês faziam e agradeço a Deus por não terem se afastado de mim.
- Isso não íamos fazer, mesmo.
- Amigo não se encontra na esquina, tem que ter chão pra dizer que é amigo.
- Há quanto tempo somos amigos? Cinquenta anos, mais ou menos?
- Xandinho eu conheci na maternidade, minha mãe era amiga da mãe dele, herdei a parceria.
- E lamba os beiços, eu não sou de muitos amigos.
- E eu não sei? Só mesmo nós pra te aguentar.
- A maioria aqui é amigo de escola ou de rua.
- Então, temos que comemorar nossas bodas de ouro! Tim, tim!
E bebem mais uma cerveja.
- João, sem querer meter o bedelho, Como é que você aguentou tanto tempo?
- Sabe como é, né? Homem se acomoda, fui ficando.
- E quando é que deu o estalo?
- Sei lá, eu estava no carro, indo pra casa e, de repente, comecei a chorar.
- Chorar? Chegou nesse ponto?
- Paulão, eu nem sabia que estava chorando, só senti a cara ficando molhada.
- Rapaz, entendi, chegou no limite do insuportável.
- Aí parei o carro, liguei pra ela e disse que não voltava mais.
- E ela?
- Deu um escândalo, me chamou de tudo, disse que ia me tirar a roupa do corpo, que ia à polícia denunciar abandono de lar, aquelas coisas.
- E aí? O que você fez?
- Abandonei, ué? Ela jogou minhas roupas fora mas, antes, rasgou tudo. Fiquei com a roupa do corpo. Nu e aliviado. Nunca mais falei com ela, só através de advogado que, por sinal, me tirou o resto do couro.
- Você tá precisando de alguma coisa? Dinheiro, lugar pra ficar? A gente dá um jeito.
- Claro, pode contar conosco pra dar uma força.
- Recomeçar depois dos sessenta é difícil.
- Mas não impossível.
- Cara, tô orgulhoso de você.
- Porque coragem pra dar um pé na bunda na nossa idade...
- Acordei tarde mas acordei a tempo. E não tô precisando de nada, mas eu sabia que, se precisasse, tinha com quem contar.
- E vamos levantar os copos e dar três vivas ao nosso amigo!
E tome mais várias cervejas.
- Vou dizer uma coisa, vocês são muito importantes pra mim !
- Ih, Paulão tá bêbado!
- Tõ nada, Fernando! Tõ falando por todos nós, ou não?
- Tá, sim, irmão.
- Temos que celebrar, porque estamos juntos, porque temos esse compromisso de nos vermos, pelo menos, uma vez por ano.
- Isso é só a desculpa que a gente dá pra jogar pelada.
- A gente se vê sempre.
- Mas aqui a gente junta a família e todo mundo se diverte.
- Sei, não.
- O que você não sabe?
- Se as mulheres curtem como a gente.
- Também, não custa fazer um sacrificiozinho uma vez por ano.
- Isso aí! Não vão morrer por causa disso.
- A Marilda não vinha.
- Ainda bem, podia fazer escola com nossas mulheres, já pensou?
E se abraçam e entoam o grito de guerra... Eia , eia, eia, não quero mulher feia, xota, xota, xota, tristeza a gente enxota.
- Todo mundo achava que nós nos referíamos a outra coisa.
 E riem. E brincam.
- Vamos lá gente, vamos pro segundo tempo!
- Bota o Betão no gol!
- Que isso, tá ficando doido? Se êle não enxerga a trave que é larga pra caramba, vai enxergar a bola?
- Então, bota o Xandinho.
- Esse tá pra lá de Bagdá!
- Êle escolhe a bola que vai pegar, se a da direita ou a da esquerda.
- Paulão, ninguém vai mexer na escalação! O goleiro é você!
- Serginho, a gente vai perder de oitenta a zero!
- Vai lá e faz o teu!
- Serginho, eu tenho que te contar uma coisa.
- Que é, Paulão?
- Meu querido, se você ainda não reparou, eu sou anão!
- Detalhe, Paulão, mero detalhe.







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