quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

DALVA E HERIVELTO

Houve, há algum tempo atrás, um casal emblemático na música brasileira.
Ele, cantor mediano, mas compositor inspirado. 
Ela, cantora excepcional, que quebrava cristais com sua voz aguda e potente.
Vinham de caminhos diferentes na vida, se encontraram na música.
Formaram um trio famoso na época: Trio de Ouro.
Fizeram fama e dois filhos.
Viviam e cantavam juntos, quase sempre composições dele que ela valorizava com a voz que hipnotizava seus fãs.
O sucesso encobria a relação difícil e, provavelmente, infeliz que tinham.
Em um determinado momento, a ruptura se fez de maneira sangrenta e dilacerante.
Trocavam farpas através da música, com uma vantagem enorme para ele, já que era compositor.
Conseguia assim, traduzir em palavras a raiva e a mágoa que lhe pertenciam.
Ela, embora contasse com a grande fama e penetração na mídia da época, cantava as músicas (depoimento) que escreviam para ela. Histórias, que outros tentavam interpretar, do enorme sofrimento moral que sentia ao ser atacada tão violentamente por quem se isentava nessa relação atribulada.
Dessa dor, surgiram canções inesquecíveis, que até hoje são cantaroladas por amantes rejeitados ou incompreendidos.
Da parte dele, uma das mais contundentes, Segredo, era uma tentativa de se vitimizar pelo acontecido.
Da parte dela, Errei, sim. Nessa música, ela abre seu coração e o culpa pelo seu sofrimento, quando diz: " Errei, sim, manchei o teu nome, mas foste tu mesmo o culpado".  
Nesse duelo musical, ganhou a música, perderam os dois.
Não houve vencedor nessa triste história.
A obsessão os levou à ruína, física e mental, exauriu as forças de ambos.
Ele, por ser homem, era conhecido como bom de copo.
Ela, por ser mulher, tornou-se alcoólatra.
Com esse nervo exposto ao público, começou o fim dos dois.
Ainda hoje, é comentada essa guerra musical, essa acusação mútua, esse autoflagelo público.
Mas os dois expunham, em igualdade de condições, suas verdades e dores.
O que vejo, hoje, é diferente, em relação a conflitos absolutamente particulares.
Os que têm alguma platéia nas diferentes mídias atuais, abusam de seu pretenso poder, para denegrir pessoas ou grupos, simplesmente por não compactuarem com suas idéias.
Os que não têm voz, não têm a oportunidade de mostrar seu lado na discórdia e acabam virando vilões em "verdades" unilaterais.
Sempre soube que a verdade tem três lados. O meu, o seu e o da verdade propriamente dita. Por isso é difícil julgar um valor manipulado por quem se acha detentor dela.
De que adianta se arvorar em juiz, defensor e acusador, tudo ao mesmo tempo?
De que serve torcer fatos e transformá-los em versões mais palatáveis à sua própria conduta?
De que vale destruir reputações, sem uma leitura correta, sem chance de defesa?
Adianta, serve e vale para quem se escuda na retórica abrasiva e difamante.
Nesse território livre, que é a internet, só existe um peso e uma medida, colocada e espalhada a mentira, ganha a versão. A verdade, mais uma vez, perde.
Preserva-se a imagem do demolidor, destrói-se a reputação do "inimigo".
Esse é, lamentavelmente, o tempo em que vivemos: um click covarde em "publicar", mata a verdade.
Mas ela permanece na consciência de seus assassinos.





terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CONSIDERAÇÕES

Considerando que a estrada é longa e os passos curtos, o tempo de caminhada parece eterno.
Considerando os percalços, os tropeços, a rota errada, a chegada parece impossível.
Considerando as esquinas, os sinais de atenção e pare, o trânsito interno, desanimar parece o certo.
Considerando que mais da metade do trajeto foi feito, dá vontade de dar-me por satisfeita.
Considerando que a vida segue, apesar de mim, deveria desistir.
Considerando tudo isso e mais a dificuldade de respirar o ar que me rodeia, penso no que me resta.
Reagir, renascer, recalcular, reprogramar uma vida que se estende e não sei onde vai dar.
Considerando que é só o futuro que está à minha frente, que surpresas agradáveis ou desagradáveis me esperam, que a confiança que me abandonou por um tempo, vai voltar fortalecida, que as coisas são como são e não como queria que fossem, que tenho o direito e o dever de prosseguir.
Considerando quem sou e quem queria ter sido, estou em paz.
Sofro, choro, abro e fecho essa ferida incurável, sinto a dor que parece interminável e chamo a isso de estar viva.
Passo por mais uma prova de resistência, aprendo a redirecionar minha vocação.
Considerando que minha vocação não é tão somente ser feliz, é muito mais que isso, é ser justa, verdadeira, fiel, confiável e, sim, amar quem possa ser e não quem possa ter.
Considerando que erros e acertos são aprendizado,
Considerando que não importa o que a vida faz comigo e sim o que faço dela,
Considerando que meus pés cansados e minha roupa rota são só o resultado de uma vida que valeu a pena,
Considerando prós e contras, considerando que minha fortaleza vai ser reerguida, considerando que as pedras no caminho podem ser removidas,
Começo a considerar que é bom a estrada ser longa e os passos curtos.
Demoro mais a chegar, em compensação tenho mais tempo para apreciar o que vem pela frente.
Vejo que existe chuva, mas percebo o sol querendo romper a nuvem negra.
Sinto frio, mas tenho a certeza que o calor vai voltar.
Sento à beira da estrada, deixo o silêncio soprar o indizível em meus ouvidos.
E, se não bastar tudo isso, me cubro com o manto das estrelas e espero amanhecer.