segunda-feira, 30 de abril de 2012

O OUTRO, EM MIM

Hoje, acordei com saudade.
Saudade do que?
Não sei se de alguma coisa.
Saudade de alguém, talvez.
Só sei que que acordei com saudade.
Mas não é um sentimento opressivo, triste, é mais uma sensação de presença.
Saudade de um momento marcante, de uma pessoa importante.
Um momento de plenitude me invade.
Seria, talvez, saudade do que tenho, do que vive em mim e me preenche.
Contraditóriamente, uma saudade feliz.
Pois é isso mesmo, estou feliz, sentindo saudade.
Tenho, embora sem saudosismo, saudades de uma vida que vivi e aproveitei.
Não me detenho em passagens, episódios, abraço o todo, em uma nostalgia tranquila.
Relembro o quanto valeu a pena as alegrias, as dores, os amores, as aflições e as conquistas.
Guardo na gaveta da memória, acaricio minha história e sigo.
Tenho amigos e amores, nessa gavetinha e, de vez em quando, visito-os.
Com um sorriso meio melancólico, meu olhar se perde do presente e encontra a pontinha de saudade que se esconde no que já foi.
Sinto o quanto é bom ter bagagem, mas bagagem selecionada, com o suficiente prá não parar, ferida e magoada, na estação da dor. Sigo minha viagem com uma malinha de mão, com o imprescindível, sons e imagens que me fortalecem, despejo o que possa me aniquilar, meu coração e minha mente pedem leveza e encontram paz na lembrança.
Mas, hoje, especificamente, estou com saudade do presente, do que estou vivendo e experimentando.
Essa, de hoje, me incentiva à fazer coisas que o medo freava, coisa que eu mesma me negava, por convenções, por limitações, por pensar que poria em risco uma vida reta, regrada, formatada.
Quanta bobagem! Quanto tempo perdido!
Esqueci que a vida acontece, que passa, que não é um ensaio, que é prá valer e tem que valer a pena!
De mim, nunca senti saudade, até hoje.
À partir de agora, sinto saudade do que tenho por viver.
Não vou deixar passar minhas vontades, meus desejos, minha capacidade de transformar cautela em prazer, sonhos em realidade.
Não sou leito de rio, onde as águas passam e vão embora. Vou reter o que for bom, o que for importante, o necessário e insubstituível. Não vou deixar passar nada, a vida, o amor.
Já que não posso negociar com o tempo, vou trapacear e usá-lo à meu favor.
E manipular essa saudade de mim, de um possível nós dois, de um provável final feliz.
Hoje, acordei com muita saudade da vida que inauguro.
Abri todas as portas e janelas prá que ela possa entrar sem pedir licença, todos os dias e morar na felicidade que descobri em mim.
Tenho saudade de mim, em outro.
Tenho mais saudade do outro, em mim.
Hoje, acordei feliz de saudade!





domingo, 22 de abril de 2012

DO LADO DE FORA

Tenho pena de quem acha que sabe tudo.
Tenho compaixão por quem pretende ser o dono da verdade.
Pessoas que têm todas as respostas, ou acham que têm, se fecham para o outro, para o mundo, para a vida.
Se encapsulam no seu pretenso conhecimento para não admitirem que têm muito, ainda, o que aprender.
Fechar os olhos para o que acontece em volta não faz uma pessoa mais sábia ou feliz.
Ao contrário. Isola qualquer chance de aumentar seu mundo interior.
Conseguem se relacionar com pessoas estreitas, curtas, que acham que só existe a sua realidade, ignorando que a realidade é de cada um, soma de experiências distintas. Minha realidade é diferente da sua, que é diferente da do meu vizinho, que é diferente da de outra pessoa. Não é um valor absoluto, nem poderia ser.
Cada um comporta um mundo em si mesmo e é compartilhando e aceitando as diferenças que crescemos, expandimos nosso universo mental e emocional.
Não quero julgar quem fechou a cabeça para o novo, para o desconhecido.
Se é assim que consegue administrar sua solidão, mesmo que povoada, eu entendo.
Mas continuo achando uma pena, triste mesmo, rejeitar, por não entender ou aceitar, pessoas interessantes, inteligentes, amáveis, em seu convívio, por serem território desconhecido.
Há um medo implícito, um preconceito latente, um pavor de perder o discurso se aceitar o que o tiraria da zona de conforto.
O "eu sei" é arrogante, prepotente, o "eu não sei" é instigante, pulsante, ávido. Impulsiona, desafia.
Só quando a cortina final se fecha, determinando que o último ato acabou, é que termina a busca por conhecimento. Até lá, a vida se impõe e merece ser vivida, já que é de graça.
Pessoas limitadas afetiva, intelectual e psicologicamente, fechadas em um mundo acabado, formatado, restrito, bastam-se e não permitem a entrada do vento de mudança.
Suas vidas são trancadas a sete chaves, não renovam o ar. O mofo da estagnação cobre todos os espaços que poderiam ser cultivados se, por acaso, abrissem uma janela para permitir que uma réstia de sol começasse uma invasão de calor.
A arrogância do saber tudo e não precisar conhecer mais nada, não é nada mais do que medo de perder o chão.
Eles não sabem- porque acham que sabem tudo- que o chão em que pisam é árido, porque caminham sós, é seco, porque não há vida para irrigar, é duro, porque não aceitam que possa existir outro solo que não o deles.
Caminharão sòzinhos, com suas certezas, convicções e estreitezas para o único lugar possível de acolhimento: seus egos deformados pela falta de visão, por se imaginarem suficientes, por não entenderem que mundos diversos não precisam, necessariamente, se chocar. Podem ser complementares, harmoniosos. Mas é preciso ter coragem para derrubar a muralha e enxergar, nem que seja por uma pequena fresta, que há um mundo maior que o seu, do lado de fora.

sábado, 21 de abril de 2012

UM NOVO DIA

Um novo dia se apresenta.
Me convida a vivê-lo sem expectativas ou projeções.
Um dia inteiro de novas emoções não programadas.
A cada dia, um novinho se oferece, repleto de surpresas e espantos.
Não há o que temer, se todo dia ele me chama à vida.
Me tira prá dançar, amanhece minha noite, me pede disponibilidade prá, simplesmente, vivê-lo.
Ele me diz que não dói experimentar. E, mesmo que doa, existe a possibilidade de, no dia seguinte, mudar.
Diariamente, esse dia, novo dia, me acorda e me diz que há esperança nele.
Me lembra que segundos são preciosos, que deles se faz as horas que temos prá viver.
E que, como não voltam, não posso, nem devo, desperdiçá-los.
Um dia, novo em folha, aparece à cada dia. Me renasce, me renova.
Me incentiva a escrever novas histórias que serão ou não desenvolvidas em outros dias que virão.
É assim que construímos o caminho.
Selecionamos, à cada dia, o que vai ficar no passado que, um dia, foi presente.
Respirar um dia inteiro, observar cada minuto, sentir a graça de estar vivo, vivendo por mais um dia.
Esquecer que ele tem vinte e quatro horas e vivê-lo como se fosse o último, pois ele é!
Meu novíssimo último dia é muito importante, devo merecê-lo.
Prá isso, é necessário que eu me dedique a usufruí-lo com qualidade, com intensidade, com alegria.
Se a tristeza quiser embotá-lo, permito que se instale por alguns segundos, não mais que isso, pois o resto do dia não deve ser contaminado.
Todo santo dia é dia santo. Ajoelho-me e rezo, pedindo que ele conceda o milagre do amor.
Amar aos outros, amar a mim, ser amada.
Quando insone, prolongo o envelhecimento do dia anterior, passado, e faço com que se transforme em um mais longo, mais vivido, mais aproveitado.
Talvez, não devesse dormir mas, se não o fizer, como raiar um novo dia em mim?
Refugio-me no sono prá reforçar a esperança de um dia melhor.
Durmo prá me preparar para o dia seguinte.
Acordo prá abraçá-lo e me entregar à ele, como uma eterna amante.
Ele me desafiará, me testará, eu erguerei a cabeça e o enfrentarei.
Esse dia, novo dia, o último de cada dia, é o dia em que serei mais feliz.
Até o dia de amanhã, quando serei o passado de hoje.
Simples assim!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

TODOS OS SENTIDOS

Ainda hoje, tenho dificuldade em escolher o que comer.
Fora os dias em que bate um desejo irrefreável de encarar uma feijoada, uma moqueca ou algo assim, é um parto decidir, seja em restaurante, seja em casa.
Sempre acho que podia ter pedido ou feito outra coisa.
Se é buffet, fico olhando por horas, esperando que meu cérebro determine que é aquilo mesmo que eu quero comer, que está na quantidade exata do meu apetite, que minhas papilas gustativas vão ser saciadas, enfim, se eu vou ficar satisfeita com a minha escolha. Na maioria das vezes, fico com a sensação de que faltou alguma coisa ou de que exagerei em outra.
Quando criança, a vida é mais fácil, escolhem por nós, determinam nosso desejo e estamos conversados. É aquilo e lambam os beiços.
Nos chamam nas horas precisas, café da manhã, almoço, lanche, etc.
Em casa de meus pais era proibido comer fora de hora, além do dinheiro curto, minha mãe não se prestava a fazer a vontade dos filhos.
Quando estava de bom humor fazia um agrado extra, um pavê, uma torta, mas era muito raro.
Cozinhar prá ela era obrigação, nunca foi prazer, embora cozinhasse bem.
Cresci saudável e despreocupada com a mesa, sentava, comia, agradecia e ponto final.
Saindo das asas protetoras, a porca torceu o rabo. A dúvida me assaltava em uma simples ida à padaria. Será que comia pão doce, sanduíche, croquete?
Restaurante, cardápio, variações de pratos, era uma bagunça na minha cabeça e o desejo por algo não se definia. Quero carne ou peixe? Batatas fritas ou cozidas? Salada de entrada ou frios? Eterna dúvida e constante arrependimento. Meu estômago e meu cérebro não conseguiam chegar a um acordo. Era cada um por si.
O resultado é que tenho preguiça de comer, como por necessidade, deste pecado, a gula, estou livre.
Deve ser por isso que tenho outros pecadilhos, nenhum pecado capital, nada muito comprometedor.
Todo mundo tem uma compulsão, tenho a minha e não vou me expor.
Canalizei meu apetite prá outras coisas, nada imoral ou ilegal, mas meu prazer desviou-se da mesa.
Fora o paladar, meus outros quatro sentidos são exacerbados. E ainda tem o sexto, hiper desenvolvido.
Pressinto encrenca longe.
O diabo é que pressentir não me afasta dela, por vezes me atrai, mesmo sabendo que vou me estrepar.
Como uma mosquinha atraída pela aranha, caio na teia e fico presa. É uma dureza, depois, me desvencilhar da cilada que eu pressenti. Confio nos meus instintos mas, mais de uma vez, meu cérebro não acompanhou minha intuição. Vou morrer sem acertar esses ponteiros.
Minha visão já não é a mesma, literalmente falando. Óculos de leitura dão uma ajuda considerável. Mas enxergo além do que vejo, não sei se é pretensão ou se leio, mesmo, o que não é visto. A verdade é que, quase sempre, enxergo o outro com raio x. Não tenho controle sobre isso. Quando percebo, já estou analisando, até porque o corpo fala e desmente muitas palavras ditas. Eu percebo, não me pergunte como.
A contradição é transparente, prá mim. Chega a ser aflitivo, querer me desconectar da lucidez.
O olfato é um sentido canino, em mim. Vou longe na lembrança de cheiros que me lembram alguém, algum lugar, minha memória emotiva é ativada e desembesta a me remeter à coisas que quero, às vezes, esquecer. Farejo, esse é o verbo, sou uma perdigueira, me guio pelo olfato. Por isso, adoro um bom perfume, suave, discreto, insinuante. Como um cão, odeio odores fortes. Cheiro de limpeza, de capim depois da chuva, de terra molhada, de maresia, são afrodisíacos. Odores desagradáveis agridem meu olfato. 
A audição é o sentido que me dá alegria ou tristeza, prazer ou angústia, sou, reconhecidamente, emprenhada pelos ouvidos. Adoro música, em um volume suportável, que eu possa ouvir sem arrebentar os tímpanos, que permita conversa sem gritos. Amo as palavras e o que é feito com elas.
Tomo cuidado com o que digo, quero ser entendida, as palavras precisam de objetivo, mesmo quando jogadas fora, se é essa a intenção. Sou uma boa ouvinte. Tenho prazer em buscar a palavra exata, a que encaixa, a palavra redonda, sem arestas ou que dê margem à outra interpretação que não seja àquela que me fez dizê-la. Mesmo as metáforas precisam de clareza. Uma única palavra pode destruir um encantamento. Por exemplo: "Queria te encontrar mas...". Não, por favor, o "mas" quebrou o fluxo, depois do "mas" pode dizer o que quiser- e pode até ser "eu te amo"- os ouvidos fecham e a boca amarga. Palavra mal encaixada não se diz e, principalmente, faz com que não se ouça o restante.
Por fim, o tato. Ah, o tato é tudo. Com ele vamos ao céu. Os desprovidos dele são grosseiros. Tatear, descobrir, desbravar, buscar o prazer, a sensação, desenhar com a ponta dos dedos, experimentar texturas, fazer a química acontecer, devagar, saboreando a reação.
Fora o ter tato ao lidar com o outro, mas esse é outro tato.
A eterna procura do amor tem todos os seis sentidos e mais um agregado. Esse estranho no ninho dos sentidos se chama confiança.
Confiar em que todos eles vão te levar à alguma concretude e que, se um deles falhar, ainda assim será possível se equilibrar entre os outros.
Mas, preste muita atenção ao que o sexto soprar em seu ouvido. Geralmente, ele está certo!
Aí, não adianta ter intimidade com os outros sentidos.
Quando o sexto sentido gritar: ENCRENCA!, corra, porque os outros sentidos vão tentar iludir e trapacear, fingir que é alarme falso.
Embora com quatro sentidos apuradíssimos e um meio capenga, é o sexto sentido que me guia na vida.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

DAS AFETAÇÕES

Amar. Verbo transitivo.
E, por ser transitório, efêmero.
Conjugado por duas pessoas, unindo uma à outra.
Diz-se que amar emburrece, embrutece, enlouquece.
Prefiro o amor que aquece, protege, amansa.
Sou romântica, por fim admito.
Amar é uma benção particular, uma oração codificada, um canto gregoriano, a liturgia dos amantes, uma celebração do encontro. Hosana nas alturas!
As afetações românticas, infelizmente, trazem consigo outras afetações contrastantes.
Ciúme, posse, desconfiança, medo, cobranças, exigências descabidas e, então, o efêmero acontece.
Seria ingênuo acreditar que o amor não traz transtorno emocional.
O ajuste entre as pessoas afetadas é processual e, no processo, pode-se perder a segurança inicial.
Personalidades distintas, vidas diferentes, hábitos incompatíveis se misturam ao amor e enfraquecem a confiança.
Lutar pelo que se quer fica mais difícil, quando entram em campo os soldados das defesas.
Defendemos o direito à individualidade, às opiniões, às vontades e necessidades.
Exigimos respeito à essas afetações, entrega, como se, do dia para à noite, fosse possível trocar de pele, de história.
Boicotamos as possibilidades por absoluta irracionalidade.
Se pensarmos que, ao amar o outro, abrimos mão de nos amarmos, não existe afetação, existe carência. E carência não conjuga com o verbo amar.
Se estou sendo amada, como posso estar carente?
Se continuo carente, não confio nesse amor.
Se não confio, cobro, brigo por espaço e, nessa luta, desisto.
É mais fácil amar do que ser amada.
Quando amo, despejo afeto, escolho as palavras que me façam ser melhor entendida, tenho cuidado, respeito, carinho, procuro não magoar, tento equilibrar os desacertos, não invado, peço licença prá entrar e repartir o espaço emocional que conquistamos. Mas eu sou assim, o outro é assado.
Quando sou amada sou cobrada por essa afetação, como se fosse culpada por ter feito alguém gostar de mim, como se não quisesse e eu obrigasse a querer, sou responsável pelo amor que o outro sente.
Cai no padrão de suas escolhas e, consequentemente, de suas experiências. Não se dá a chance de mudar e viver outro tipo de amor, mais maduro, menos urgente, mais sério e, talvez, mais prazeroso.
Amar sem obrigações, amar só pelo prazer de estar, ter, ficar com quem se quer
Amor acontece, é química, não é premeditado.
Amar não escolhe, a única escolha é ficar ou não com esse amor.
Eu prefiro ficar mas entendo quem não tenha capacidade de lidar com as faltas que o amor traz.
Falta de ar, falta de presença constante, falta de coragem de se entregar, de se atirar do penhasco, de dançar um tango argentino e, talvez, gostar.
Dividir essa afetação, distribuir aos amigos e contagiar quem está em volta, percebendo, intuindo o amor emanado, é um sinal de generosidade que só o amar verdadeiramente é capaz de emitir.
Condicionar amor unicamente a presença física é diminuir o próprio afeto. Este resiste à ausência, à falta, até à morte.
Amar, ensina. Amar, não prende. Amar, conforta. Amar, não julga. Amar, não ofende.
Amar, por fim, dignifica e pacifica.
Amar é verbo. Transitivo ou transitório somos nós, até que me provem o contrário.