quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

SURTO

Engarrafamento é uma trapaça!
Ninguém consegue manter um mínimo de equilíbrio emocional, quando se vê nessa situação.
Eu, particularmente, tenho crises existenciais, fico me perguntando o que fiz pra  merecer essa armadilha do destino, como se fosse a única a sofrer com o caos. Ego agigantado ou mania de perseguição? Freud explica.
Dia desses, presa em um engarrafamento descomunal, me peguei pensando em quem seriam aquelas pessoas que estavam em seus carros, cometendo todo o tipo de infração, buscando uma saída para aquele inferno coletivo. Uns buzinavam, desesperadamente, como se, agindo assim, aquele mar de carros fosse se abrir e dar passagem, outros jogavam o carro pra direita e pra esquerda, colocando em risco os outros motoristas. Até que o trânsito parou de vez. Não andava nem um milímetro.
Desligamos, quase todos, o motor pra poupar combustível e pra dar uma mãozinha ao planeta, sabe como é, emissão de gases e tal. Alguns desceram de seus automóveis porque precisavam esticar as pernas, descarregar a tensão, xingar as autoridades.
Abaixei os vidros e fiquei contemplando aquela baderna de carros e pessoas, ouvindo a sinfonia da bagunça e maldizendo o beco sem saída em que estávamos.
Enquanto roía as unhas e mordia o canto interno da boca, pensava na correria em que vivemos, nos horários que nos controlam, na vida insana que escolhemos. Corremos tanto pra chegar a algum lugar e o destino nos obriga a dar essa parada, nos puxa o freio.
Sou uma pessoa inquieta e ativa, sinto culpa quando estou sem fazer nada. Penso no tempo que perco se ficar, por exemplo, na praia, tomando sol, fiscalizando a natureza. E ali, tinha que segurar a ansiedade e respirar fundo, várias vezes, pra tentar achar alguma calma. Exercício difícil pra uma maníaca compulsiva.
Comecei a falar com os meus botões:- Não adianta nada se aborrecer, o trânsito não vai fluir porque você está agoniada. Todo mundo está na mesma situação, segura tua onda que, uma hora, a gente anda. Respira, respira.
Os motoristas que saíram dos carros começaram a socializar, alguns riam, outros chutavam os pneus como se os coitados tivessem culpa. Borracha sofre!
Uma mulher, aparentando uns quarenta anos ( nessa época de botox e retoques, lidamos com a aparência ), abriu a porta de seu carro com violência e bateu no retrovisor do carro ao lado. Resultado: encrenca.
- Tá maluca, tia?
Era um garotão, no seu carrão, que foi logo mostrando o corpão, ameaçadoramente.
- Olha aqui, meu filho, desculpe, mas se eu fosse você, eu voltava pro carro quietinho.
- Acontece que eu sou eu e não sou seu filho.
- Lógico que não. Sou muito nova pra ser sua mãe.
- Nova? Vá sonhando!
Pronto, enfim uma briga pra animar o circo.
- Tá me chamando de velha, seu grosso?
- Tô te chamando de louca!
- Vem viver a minha vida pra entender!
- Olha aqui, eu estava dentro do meu carro, parado, quieto no meu canto e vem uma Maria qualquer e faz um estrago no retrovisor! Não é coisa de maluca?
- Primeiro não sou qualquer Maria, sou Maria da Glória, da GLÓRIA!, e estou vivendo um dia de cão!
- Não sou veterinário pra te acudir. Tá com problema com a humanidade, fica em casa. Quem é que vai pagar meu prejuízo?
- Bota na conta do vira lata do meu marido.
- Não sei quem é, nem quero saber. Vai passando os documentos e o seguro do carro.
- Passo nada. Vem pegar. Vou logo avisando que fiz curso de defesa pessoal e tô querendo matar um homem hoje.
Começou um empurra daqui, afasta de lá, motoristas tomando partido, motoristas tentando apartar e eu, ali, procurando entender o que estava acontecendo, ao mesmo tempo, não entendendo a dimensão que aquela briga estava tomando. O rapaz era muito forte e a mulher extremamente raivosa. Boa coisa não ia dar.
De repente a da GLÓRIA! da GLÓRIA!, começou a chorar, convulsivamente. A maquiagem dos olhos escorria pelo rosto, o batom ultrapassou o limite da boca, parecia o Coringa em lágrimas. Houve um momento de espanto, ninguém esperava o que estava por vir.
- Eu sou uma desgraçada! Uma mulher traída! Abandonada por um cafajeste, um safado, um homem como você! Fiz tudo o que ele queria, sofri as piores dores, cirurgias, academias, remocei, refiz tudo, da cara ao joelho, gastei o que não tinha pra agradar o canalha  pra, no fim, ele me trocar por outra Maria, pela Maria dos Prazeres, dos PRAZERES!
O mundo parou de girar, diante daquela explosão. 
Tudo o que ela tinha feito parecia que desmoronava, ali, na frente daqueles desconhecidos: o silicone, o botox, os implantes. Dava pena.
O garotão fortão abraçou a mulher e, como que embalando uma criança, dizia:- Não fica assim, Glorinha. Fica calma.
Os outros se afastaram e, boquiabertos, olhavam para aquela "Pietá" às avessas. Dava para cortar o silêncio com uma faca.
Apareceu um guarda, ninguém sabe de onde, e começou a botar ordem na zona.
O meninão saradão levou a da GLÓRIA! até o carro, fez um carinho em sua cabeça e entrou no seu carrão importado.
O trânsito começou a andar, lentamente, e eu, avançando em estado de choque, me repetia, como um mantra: a realidade supera a ficção, a realidade supera a ficção, a realidade.......

2 comentários:

  1. Eu danço no engarrafamento. Fico pensando que se eu tenho que me desequilibrar emocionalmente, que seja de alguma forma "positiva". Fecho os vidros (afinal meu desequilíbrio é quase secreto) e danço. As vezes eu canto também, mas é muito mais legal dançar! rs
    Fico sempre imaginando que, de repente aos pouquinhos todo mundo vai começar a dançar junto comigo, como se fosse um flash mob incríííível. Vou apontando pra todos os motoristas e "passando a bola" pra eles. Nunca funcionou! rs

    Excelente o texto! Não chorei! \o/ hehehehe

    Bjo

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  2. hahahahah! DA GLORIA! DA GLORIA! :)

    vamos todos ' flash mobar' , gibs! :)

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