terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

LAÇOS

- Até que enfim! Pra que tanta bagagem? São só cinco dias!
- Oi, querida. Também estou feliz por te ver!
- Vamos, já estamos atrasadas!
- Calma, temos três horas pra pegar o avião.
- E o trânsito? Você não tem batedores pra abrir caminho!
- Relaxa, no final tudo dá certo.
- Entra no táxi, por favor.
- Ai, que bom que vamos, finalmente, sair juntas pelo mundo!
- Não exagera, vamos à outro estado, não é o mundo.
- Fora de casa, me sinto no mundo.
- Trouxe tudo? Não esqueceu nada?
- Acho que não, só vou saber quando der por falta.
- Passagem? Documentos? Remédios?
- Devem estar na mala.
- Na mala?! Tinham que estar na bolsa!
- Estão na bolsa, eu tô brincando!
- Ainda vou enfartar nessa viagem.
- Não vai, não. Eu vou cuidar de você.
- Você? É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha.
- Quer que eu faça uma massagem? Você tá muito tensa.
- Você me deixa tensa!
- Por que?
- Seu tempo é diferente do meu, você vai devagar.
- E vou ter pressa por que?
- Porque, às vezes, é necessário ter pressa.
- Quando?
- Sei lá, socorrer um doente, por exemplo, requer pressa.
- Quem tá doente?
- Você me entendeu.
- Minha querida, estamos saindo pra aproveitar um tempinho só nosso, sem relógio, sem obrigações, sem marido, sem casa, sem filhos, sem mercado, nadinha de nada.
- Como é que você faz?
- O que eu fiz agora?
- Como você desliga de tudo, assim, e entra em outro estágio?
- Fácil, aceito que não posso controlar tudo à minha volta. Já basta tentar controlar a minha vida e nem sempre consigo.
- Eu já estou preocupada com a bagunça que vou encontrar na volta.
- Amiga, não existe controle remoto pra pessoas, elas não ligam e desligam porque você quer.
- Eu sei. Mas me agonia saber que a casa não vai estar do meu jeito.
- Eu nem me preocupo, deixo que sintam a responsabilidade pela vida deles.
- Você sempre foi mais despreocupada.
- Por isso a gente se dá bem, você se preocupa por mim.
- Cômodo, né?
- Não, pelo contrário, é muito difícil manter a calma com você ao lado.
- Tá dizendo que eu atrapalho a sua vida?
- Tô dizendo que é difícil gostar de você.
- Gosta porque quer.
- Gosto mesmo, e você, queira ou não, não pode fazer nada. Foge ao seu controle.
- Olha aqui, quando chegarmos lá, não vai ficar de preguiça, olhando a paisagem, pegando todo o sol da praia.
- Claro que vou! Tô de férias!
- Então, você fica na praia e eu vou andar pela cidade.
- Tá vendo, você já planejou tudo, por que eu iria me preocupar?
- Eu te conheço, teu ritmo é devagar, quase parando.
- E por que eu iria acelerar? A vantagem de ter idade é poder ver o tempo passar.
- Já te ocorreu que a gente passa, também?
- E vai deixar de passar se eu viver correndo?
- Mas pode aproveitar mais coisas.
- Aproveitar como, se não me detiver em nada?
- Você fica vendo o por do sol até dez da noite!
- Eu fico meditando sobre a beleza dele, sobre como é bom estar viva e desfrutar do amanhecer, do anoitecer.
- Enquanto isso, o tempo vai passando e eu não vou ficando mais jovem.
- Mas não precisa ficar mais velha. Ih, você tá chata!
- Eu sou chata, você me conhece há quarenta anos, não tinha percebido isso?
- A gente percebe mas acha que , um dia, melhora.
- Bem, péssimas notícias, não melhorei.
- Melhorou, sim. Só precisa acreditar.
- Tá legal, simples assim.
- Você já se perguntou por que somos amigas, apesar de tudo?
- Porque somos, não tem explicação.
- Eu fico pensando que somos a representação do nosso signo.
- Lá vem o patchouli.
- Perfume à parte, já pensou sobre isso?
- Tenho mais o que pensar, não vou ficar pensando em Peixes.
- Qual é a representação? Dois peixinhos, nós, em sentido contrário.
- E?
- Vamos em direções opostas mas nunca nos separamos. Nadamos, cada uma para um lado diferente, mas juntas, sempre.
- Muito bonito mas pouco prático.
- Deixa a praticidade descansar um pouquinho. Respira e deixa o ar sair. Você prende tanto a respiração que nem percebe como é importante sentir.
- Graças a Deus, chegamos!
- Pronto, vamos lá!
- Desce logo que ainda temos que fazer o check in.
- Tô descendo, tô indo.
- Mais rápido, por favor.
- O mais rápido que posso.
- Antes de entrar, deixa eu te dizer uma coisa.
- Alguma reprimenda?
- Não.
- Puxão de orelha?
- Ouve!
- Diga.
- Eu tenho um pouquinho de medo de voar.
- Querida, vai dar tudo certo, eu seguro sua mão.
- Eu sei. Eu só queria que você soubesse que você é a pessoa mais constante na minha vida. Você, mal comparando, é meu cartão de fidelidade.
- Entendi o que você quer dizer, amiga. Saiba que eu, também, te amo.

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