sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

COM PERDÃO DA MÁ PALAVRA

Outro dia, me perguntaram qual era o meu estilo.
Fiquei em dúvida, não sabia se seria clean ou despojado.
Optei por nenhum estilo, dependia da ocasião.
Mas a pergunta era sobre o que escrevia. Se era cronica, contos, poesia, prosa.
E a resposta foi, exatamente, a mesma.
Sei lá eu classificar o que escrevo! Escrevo o que o santo pede: ficção, realidade, bobagem.
Não sou escritora por formação, não fiz nenhum curso de redação ou faculdade de letras.
Reconheço que meu português é medíocre: vocabulário limitado, ortografia sofrível, gramática capenga e por aí vai. Uso a acentuação pedindo perdão. Por isso, queria saber muito bem inglês, seria muito mais fácil escrever em um idioma sem tantas regras. Infelizmente, sou um desastre bilingue. 
Acontece que sou atrevida e me jogo no fogo.
Escrevo porque gosto, porque preciso despejar esse monte de palavras que se formam, diariamente, em minha cabeça.
Escrevo porque as letrinhas me convidam pra dançar e eu aceito.
Não tenho pudores em expor minhas limitações, nem medo de ser criticada.
Simplesmente, escrevo.
A outra pergunta era a quem eu queria atingir, qual público seria o meu alvo.
Parecia uma estratégia de guerra! Não sou míssil, sou mais bala perdida, livre atiradora.
Vou disparando meus garranchos e, se atingir alguém, esse é o público.
Não premedito, deixo o santo baixar, incorporo e a entidade se manifesta.
Embora adore lidar com as palavras, não tenho a mínima pretensão de ser "A ESCRITORA".
Não me acho tão especial, assim.
Nenhuma crítica a quem se dedica à escrita e faz disso sua missão, mas sou, simplesmente, o que Vargas Llosa diz de si mesmo, uma escrevinhadora. E olhe que, quem desmistificou o ato de escrever, foi o Prêmio Nobel de Literatura!
Escrevo pra botar ordem nas gavetas, desentulhar as prateleiras, abrir espaço no armário pra novas coleções de idéias.
Tenho a impressão que, se não escrevesse, me afogaria em letras, palavras, sufocaria em coisas não ditas, ou impossíveis de verbalizar, a não ser em forma de ficção.
Sou conversadeira, curiosa, interessada, mais ou menos informada. Gosto de livros, gosto muito de ler, sou compulsiva, leio, inclusive, obituários e classificados!
Bula de remédio é leitura obrigatória, em compensação, manual de instrução, não tenho a menor paciência.
Escrevo para manter a sanidade, para manter a loucura sob contrôle, embora saiba que a lucidez é uma loucura disfarçada.
Quando me sento pra escrever, me transporto para um outro lugar, só meu, onde posso derrubar meus muros, apesar de todas as limitações já descritas.
Meu mundo vira de cabeça pra baixo, minhas palavras fazem sentido, minha imaginação rompe a barragem e me sinto tão feliz em fazer o que gosto que não me importo se rirem ou não levarem a sério. Na verdade, não é para ser levada, mesmo.
Procuro brincar com a minha rabugice, com meu mau ou bom humor, nem sempre consigo.
Mas, se procuro alguma coisa ao escrever, seria isso: não carregar na dor, no pessimismo, virar o avesso das coisas e tentar enxergar a ironia, a brincadeira.
Não se trata de estilo, corrente, nicho, turma, seguidores, leitores, admiradores, toda essa estrutura que o escritor profissional precisa pra ser vendável.
Pra mim, escrever é soltar as feras, dançar nua, beber a vida, liberar a Pomba Gira, profanar o sagrado, virar cambalhota de saia e mostrar "as vergonhas".
Escrever me libera da obrigação que me imponho de ser reta na vida. Viro estrada sinuosa, tufão de sentimentos contraditórios, me dispo de convenções, mudo de figurino e paisagem quando quero, viajo na doidice, me encontro nas palavras.
No fim, acho que escrevo pra mim, sou meu público alvo.
Mas, se houver alguém que goste de ler o que escrevo, significa que não estou sòzinha nesse mundo de Deus, que tem mais uma pessoa, que seja, que entende o que quero dizer e se diverte, ou não, com minhas bobajadas.
Peço desculpas pelas mal traçadas linhas, mas me divirto à beça nesse espaço!
Vou continuar cometendo a heresia de despejar letras ao léu.
E que Deus me perdoe!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

DESCARREGO

Estou por um fio de cabelo. No limite, pronta pra camisa de força. Não tá dando pra aguentar.
Juro que tento, que faço cara de paisagem quando a pressão aperta, mas tá ficando difícil.
Sei que todo mundo tem problemas, eu mesma tenho um caminhão, mas não deveríamos lidar cada um com o seu e parar de descarregar o trem nas costas do outro?
Acho falta de educação, alguém cavar um buraco e empurrar os outros prá dentro. Não fui eu que cavei, meleca!
Ajuda não se nega, sou solidária, mas é preciso mostrar que se quer ajuda e não despejar seu peso enorme encima de quem está ao lado, no caso, eu.
Sou a rainha das ouvintes, me disponho, sempre, a buscar soluções que possam melhorar a aflição do outro mas, pera lá, resolver a vida de quem escolheu um caminho errado, não!
Não venha me responsabilizar pelos seus deslizes, né?
Nem queira cumplicidade nos atos que você, sòzinho, decidiu praticar.
Quer dizer que, quando você decide o que é certo e o que é errado, sabe o que está fazendo mas, quando, o que você achava certo, dá errado, eu tenho que segurar a peteca porque você tá desestabilizado?
Fácil, não? E cômodo!
Tenha vergonha na cara e arque com as consequências do que faz!
Não me convida pra festa mas quer que eu limpe o salão? Não vai acontecer!
Sou miúda, mas sou dura, mesmo. Vou morrer vara verde, envergo mas não quebro.
Tá pra nascer quem me tire a gana de me defender. 
E sei me proteger, bem demais, dos coitadinhos que tentam entrar na minha vida à força.
Fecho a porta na cara!
Não sou galinheiro pra me cobrir de penas!
Também queria que as soluções caíssem do céu, mas como sei que, de lá, só vem chuva e coco de passarinho, procuro saída em outro lugar.
Não vou deixar mais que você me afogue nessa canoa furada.
Tá querendo ajuda? Tô aqui. Tá querendo passar adiante o problema e ficar sentado esperando? Tá na posição certa, espere sentado!
Vou sair do seu radar pra ver se você sai da sua zona de conforto. Quem sabe, assim, você entenda, de uma vez por todas, que não sou sua rede de proteção.
Eu, também, de vez em quando, preciso de colo, procuro um ombro, aceito uma mão estendida, mas você é diferente, se atira no colo, pendura no ombro, agarra a mão e puxa o que vier junto.
Cansei de ser a sua viga mestra, seu suporte emocional, sua fortaleza. Você não aprende porque não quer, porque tem quem se penalize.
Vou te contar uma novidade: a vítima é sempre o mais forte, porque aprisiona, porque manipula, porque detém o poder de controlar o outro pela pena. Viu como aprendi? Você me ensinou.
Seu tiro, de hoje em diante, vai sair pela culatra.
Quero que você se dane, tô pouco me lixando. Não conte comigo pra recolher os pedaços da tua vida.  Se arrebentou a corda, foi porque você forçou além do limite.
Se, algum dia, tiver a coragem de assumir as consequências de seus atos, se levantar a cabeça e olhar de frente seus erros, se abrir o peito e se preparar pra luta, vou ser a primeira a estar ao seu lado.
Mas, por enquanto, preciso de paz, preciso recolher os caquinhos de mim que você espalhou, preciso abrir espaço pra que você cresça.
Não me queira mal quando digo que é para o seu bem. Mas se quiser me odiar, fique à vontade.
Vai facilitar a minha decisão.
Investi muito tempo da minha vida no seu erro, tá na hora de errar sozinha.
Mas não se preocupe, dos meus erros eu sempre cuidei, nunca tive ajuda.
E, como você foi, e é, o maior deles, dispenso sua participação na solução.
Tudo o que eu te desejo é que vá catar coquinho em outro terreno.
Vou cuidar da minha lavoura, que o tempo de plantar chegou, enfim, pra mim.
Vou regar meu jardim, tirar as ervas daninhas e esperar minha primavera chegar.
Se Deus quiser, sem você!
E, antes que eu me esqueça, quando sair apague a luz e jogue a chave no lixo porque vou mudar o segredo. Sua carga pesada eu resolvo com um bom defumador. Até!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

SURTO

Engarrafamento é uma trapaça!
Ninguém consegue manter um mínimo de equilíbrio emocional, quando se vê nessa situação.
Eu, particularmente, tenho crises existenciais, fico me perguntando o que fiz pra  merecer essa armadilha do destino, como se fosse a única a sofrer com o caos. Ego agigantado ou mania de perseguição? Freud explica.
Dia desses, presa em um engarrafamento descomunal, me peguei pensando em quem seriam aquelas pessoas que estavam em seus carros, cometendo todo o tipo de infração, buscando uma saída para aquele inferno coletivo. Uns buzinavam, desesperadamente, como se, agindo assim, aquele mar de carros fosse se abrir e dar passagem, outros jogavam o carro pra direita e pra esquerda, colocando em risco os outros motoristas. Até que o trânsito parou de vez. Não andava nem um milímetro.
Desligamos, quase todos, o motor pra poupar combustível e pra dar uma mãozinha ao planeta, sabe como é, emissão de gases e tal. Alguns desceram de seus automóveis porque precisavam esticar as pernas, descarregar a tensão, xingar as autoridades.
Abaixei os vidros e fiquei contemplando aquela baderna de carros e pessoas, ouvindo a sinfonia da bagunça e maldizendo o beco sem saída em que estávamos.
Enquanto roía as unhas e mordia o canto interno da boca, pensava na correria em que vivemos, nos horários que nos controlam, na vida insana que escolhemos. Corremos tanto pra chegar a algum lugar e o destino nos obriga a dar essa parada, nos puxa o freio.
Sou uma pessoa inquieta e ativa, sinto culpa quando estou sem fazer nada. Penso no tempo que perco se ficar, por exemplo, na praia, tomando sol, fiscalizando a natureza. E ali, tinha que segurar a ansiedade e respirar fundo, várias vezes, pra tentar achar alguma calma. Exercício difícil pra uma maníaca compulsiva.
Comecei a falar com os meus botões:- Não adianta nada se aborrecer, o trânsito não vai fluir porque você está agoniada. Todo mundo está na mesma situação, segura tua onda que, uma hora, a gente anda. Respira, respira.
Os motoristas que saíram dos carros começaram a socializar, alguns riam, outros chutavam os pneus como se os coitados tivessem culpa. Borracha sofre!
Uma mulher, aparentando uns quarenta anos ( nessa época de botox e retoques, lidamos com a aparência ), abriu a porta de seu carro com violência e bateu no retrovisor do carro ao lado. Resultado: encrenca.
- Tá maluca, tia?
Era um garotão, no seu carrão, que foi logo mostrando o corpão, ameaçadoramente.
- Olha aqui, meu filho, desculpe, mas se eu fosse você, eu voltava pro carro quietinho.
- Acontece que eu sou eu e não sou seu filho.
- Lógico que não. Sou muito nova pra ser sua mãe.
- Nova? Vá sonhando!
Pronto, enfim uma briga pra animar o circo.
- Tá me chamando de velha, seu grosso?
- Tô te chamando de louca!
- Vem viver a minha vida pra entender!
- Olha aqui, eu estava dentro do meu carro, parado, quieto no meu canto e vem uma Maria qualquer e faz um estrago no retrovisor! Não é coisa de maluca?
- Primeiro não sou qualquer Maria, sou Maria da Glória, da GLÓRIA!, e estou vivendo um dia de cão!
- Não sou veterinário pra te acudir. Tá com problema com a humanidade, fica em casa. Quem é que vai pagar meu prejuízo?
- Bota na conta do vira lata do meu marido.
- Não sei quem é, nem quero saber. Vai passando os documentos e o seguro do carro.
- Passo nada. Vem pegar. Vou logo avisando que fiz curso de defesa pessoal e tô querendo matar um homem hoje.
Começou um empurra daqui, afasta de lá, motoristas tomando partido, motoristas tentando apartar e eu, ali, procurando entender o que estava acontecendo, ao mesmo tempo, não entendendo a dimensão que aquela briga estava tomando. O rapaz era muito forte e a mulher extremamente raivosa. Boa coisa não ia dar.
De repente a da GLÓRIA! da GLÓRIA!, começou a chorar, convulsivamente. A maquiagem dos olhos escorria pelo rosto, o batom ultrapassou o limite da boca, parecia o Coringa em lágrimas. Houve um momento de espanto, ninguém esperava o que estava por vir.
- Eu sou uma desgraçada! Uma mulher traída! Abandonada por um cafajeste, um safado, um homem como você! Fiz tudo o que ele queria, sofri as piores dores, cirurgias, academias, remocei, refiz tudo, da cara ao joelho, gastei o que não tinha pra agradar o canalha  pra, no fim, ele me trocar por outra Maria, pela Maria dos Prazeres, dos PRAZERES!
O mundo parou de girar, diante daquela explosão. 
Tudo o que ela tinha feito parecia que desmoronava, ali, na frente daqueles desconhecidos: o silicone, o botox, os implantes. Dava pena.
O garotão fortão abraçou a mulher e, como que embalando uma criança, dizia:- Não fica assim, Glorinha. Fica calma.
Os outros se afastaram e, boquiabertos, olhavam para aquela "Pietá" às avessas. Dava para cortar o silêncio com uma faca.
Apareceu um guarda, ninguém sabe de onde, e começou a botar ordem na zona.
O meninão saradão levou a da GLÓRIA! até o carro, fez um carinho em sua cabeça e entrou no seu carrão importado.
O trânsito começou a andar, lentamente, e eu, avançando em estado de choque, me repetia, como um mantra: a realidade supera a ficção, a realidade supera a ficção, a realidade.......

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

LAÇOS

- Até que enfim! Pra que tanta bagagem? São só cinco dias!
- Oi, querida. Também estou feliz por te ver!
- Vamos, já estamos atrasadas!
- Calma, temos três horas pra pegar o avião.
- E o trânsito? Você não tem batedores pra abrir caminho!
- Relaxa, no final tudo dá certo.
- Entra no táxi, por favor.
- Ai, que bom que vamos, finalmente, sair juntas pelo mundo!
- Não exagera, vamos à outro estado, não é o mundo.
- Fora de casa, me sinto no mundo.
- Trouxe tudo? Não esqueceu nada?
- Acho que não, só vou saber quando der por falta.
- Passagem? Documentos? Remédios?
- Devem estar na mala.
- Na mala?! Tinham que estar na bolsa!
- Estão na bolsa, eu tô brincando!
- Ainda vou enfartar nessa viagem.
- Não vai, não. Eu vou cuidar de você.
- Você? É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha.
- Quer que eu faça uma massagem? Você tá muito tensa.
- Você me deixa tensa!
- Por que?
- Seu tempo é diferente do meu, você vai devagar.
- E vou ter pressa por que?
- Porque, às vezes, é necessário ter pressa.
- Quando?
- Sei lá, socorrer um doente, por exemplo, requer pressa.
- Quem tá doente?
- Você me entendeu.
- Minha querida, estamos saindo pra aproveitar um tempinho só nosso, sem relógio, sem obrigações, sem marido, sem casa, sem filhos, sem mercado, nadinha de nada.
- Como é que você faz?
- O que eu fiz agora?
- Como você desliga de tudo, assim, e entra em outro estágio?
- Fácil, aceito que não posso controlar tudo à minha volta. Já basta tentar controlar a minha vida e nem sempre consigo.
- Eu já estou preocupada com a bagunça que vou encontrar na volta.
- Amiga, não existe controle remoto pra pessoas, elas não ligam e desligam porque você quer.
- Eu sei. Mas me agonia saber que a casa não vai estar do meu jeito.
- Eu nem me preocupo, deixo que sintam a responsabilidade pela vida deles.
- Você sempre foi mais despreocupada.
- Por isso a gente se dá bem, você se preocupa por mim.
- Cômodo, né?
- Não, pelo contrário, é muito difícil manter a calma com você ao lado.
- Tá dizendo que eu atrapalho a sua vida?
- Tô dizendo que é difícil gostar de você.
- Gosta porque quer.
- Gosto mesmo, e você, queira ou não, não pode fazer nada. Foge ao seu controle.
- Olha aqui, quando chegarmos lá, não vai ficar de preguiça, olhando a paisagem, pegando todo o sol da praia.
- Claro que vou! Tô de férias!
- Então, você fica na praia e eu vou andar pela cidade.
- Tá vendo, você já planejou tudo, por que eu iria me preocupar?
- Eu te conheço, teu ritmo é devagar, quase parando.
- E por que eu iria acelerar? A vantagem de ter idade é poder ver o tempo passar.
- Já te ocorreu que a gente passa, também?
- E vai deixar de passar se eu viver correndo?
- Mas pode aproveitar mais coisas.
- Aproveitar como, se não me detiver em nada?
- Você fica vendo o por do sol até dez da noite!
- Eu fico meditando sobre a beleza dele, sobre como é bom estar viva e desfrutar do amanhecer, do anoitecer.
- Enquanto isso, o tempo vai passando e eu não vou ficando mais jovem.
- Mas não precisa ficar mais velha. Ih, você tá chata!
- Eu sou chata, você me conhece há quarenta anos, não tinha percebido isso?
- A gente percebe mas acha que , um dia, melhora.
- Bem, péssimas notícias, não melhorei.
- Melhorou, sim. Só precisa acreditar.
- Tá legal, simples assim.
- Você já se perguntou por que somos amigas, apesar de tudo?
- Porque somos, não tem explicação.
- Eu fico pensando que somos a representação do nosso signo.
- Lá vem o patchouli.
- Perfume à parte, já pensou sobre isso?
- Tenho mais o que pensar, não vou ficar pensando em Peixes.
- Qual é a representação? Dois peixinhos, nós, em sentido contrário.
- E?
- Vamos em direções opostas mas nunca nos separamos. Nadamos, cada uma para um lado diferente, mas juntas, sempre.
- Muito bonito mas pouco prático.
- Deixa a praticidade descansar um pouquinho. Respira e deixa o ar sair. Você prende tanto a respiração que nem percebe como é importante sentir.
- Graças a Deus, chegamos!
- Pronto, vamos lá!
- Desce logo que ainda temos que fazer o check in.
- Tô descendo, tô indo.
- Mais rápido, por favor.
- O mais rápido que posso.
- Antes de entrar, deixa eu te dizer uma coisa.
- Alguma reprimenda?
- Não.
- Puxão de orelha?
- Ouve!
- Diga.
- Eu tenho um pouquinho de medo de voar.
- Querida, vai dar tudo certo, eu seguro sua mão.
- Eu sei. Eu só queria que você soubesse que você é a pessoa mais constante na minha vida. Você, mal comparando, é meu cartão de fidelidade.
- Entendi o que você quer dizer, amiga. Saiba que eu, também, te amo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SOBRE A AMIZADE

Reunião anual dos amigos, esposas e agregados.
Muita comida, bebida, piscina e campeonato sub-65.
Cabelos grisalhos, algumas barrigas proeminentes e, principalmente, muita alegria.
- Pô, Betão, como é que você perdeu dois gols feitos?
- Acontece, né?
- Xandinho faria, não faria?
- Eu estava sem óculos, cara!
- Mas, Betão, tu nem chutou pra corner, deu lateral, LATERAL, longe pra burro das traves.
- EU ESTAVA SEM ÓCULOS!
- Então, joga de óculos.
-Piora. Com óculos, o suor e o calor embaçam as lentes. Aí é que eu não enxergo nada, mesmo.
- Tá, Serginho, e o Paulão? Engoliu seis frangos!
- Não sou goleiro. Só estava lá porque foi sorteio e ninguém quis trocar de posição comigo.
- Cara, tu é muito ruim, nem se esforçou.
- E tu acha que eu vou encarar penalti? Eu, não! Quando a bola bate na mão ou no peito, arde pra cacete.
- Mas, também, não precisava se agachar e ver a bola entrar.
- Fui amarrar as chuteiras e o Nei não esperou.
- Não esperei porque o juiz apitou. Você é que estava fora de posição.
- O Carlinhos nem corre e ninguém fala nada.
- Eu corro, sim. Só que meu ritmo é mais cadenciado, eu meio que deslizo.
- A idade tá pesando.
- Que idade, nada! Estamos é com peso na barriga, isso sim!
E brindam ao sobrepeso!
- Vem cá, João, responda a pergunta que não quer calar, como é que você consegue se manter em forma?
- Larguei a Marilda!
- Tá explicado.
- Eu estava pior que vocês todos juntos.
- Também não precisa desmoralizar!
- Sério, rapaz. Eu estava tão infeliz que nem me olhava mais.
- Agora, meu amigo, que você pulou fora, vou te contar um segredo da turma: nenhum de nós engolia aquela fera.
- A gente aceitava porque era tua mulher, a gente queria estar perto de você, então valia o sacrifício.
- Eu sei o que vocês faziam e agradeço a Deus por não terem se afastado de mim.
- Isso não íamos fazer, mesmo.
- Amigo não se encontra na esquina, tem que ter chão pra dizer que é amigo.
- Há quanto tempo somos amigos? Cinquenta anos, mais ou menos?
- Xandinho eu conheci na maternidade, minha mãe era amiga da mãe dele, herdei a parceria.
- E lamba os beiços, eu não sou de muitos amigos.
- E eu não sei? Só mesmo nós pra te aguentar.
- A maioria aqui é amigo de escola ou de rua.
- Então, temos que comemorar nossas bodas de ouro! Tim, tim!
E bebem mais uma cerveja.
- João, sem querer meter o bedelho, Como é que você aguentou tanto tempo?
- Sabe como é, né? Homem se acomoda, fui ficando.
- E quando é que deu o estalo?
- Sei lá, eu estava no carro, indo pra casa e, de repente, comecei a chorar.
- Chorar? Chegou nesse ponto?
- Paulão, eu nem sabia que estava chorando, só senti a cara ficando molhada.
- Rapaz, entendi, chegou no limite do insuportável.
- Aí parei o carro, liguei pra ela e disse que não voltava mais.
- E ela?
- Deu um escândalo, me chamou de tudo, disse que ia me tirar a roupa do corpo, que ia à polícia denunciar abandono de lar, aquelas coisas.
- E aí? O que você fez?
- Abandonei, ué? Ela jogou minhas roupas fora mas, antes, rasgou tudo. Fiquei com a roupa do corpo. Nu e aliviado. Nunca mais falei com ela, só através de advogado que, por sinal, me tirou o resto do couro.
- Você tá precisando de alguma coisa? Dinheiro, lugar pra ficar? A gente dá um jeito.
- Claro, pode contar conosco pra dar uma força.
- Recomeçar depois dos sessenta é difícil.
- Mas não impossível.
- Cara, tô orgulhoso de você.
- Porque coragem pra dar um pé na bunda na nossa idade...
- Acordei tarde mas acordei a tempo. E não tô precisando de nada, mas eu sabia que, se precisasse, tinha com quem contar.
- E vamos levantar os copos e dar três vivas ao nosso amigo!
E tome mais várias cervejas.
- Vou dizer uma coisa, vocês são muito importantes pra mim !
- Ih, Paulão tá bêbado!
- Tõ nada, Fernando! Tõ falando por todos nós, ou não?
- Tá, sim, irmão.
- Temos que celebrar, porque estamos juntos, porque temos esse compromisso de nos vermos, pelo menos, uma vez por ano.
- Isso é só a desculpa que a gente dá pra jogar pelada.
- A gente se vê sempre.
- Mas aqui a gente junta a família e todo mundo se diverte.
- Sei, não.
- O que você não sabe?
- Se as mulheres curtem como a gente.
- Também, não custa fazer um sacrificiozinho uma vez por ano.
- Isso aí! Não vão morrer por causa disso.
- A Marilda não vinha.
- Ainda bem, podia fazer escola com nossas mulheres, já pensou?
E se abraçam e entoam o grito de guerra... Eia , eia, eia, não quero mulher feia, xota, xota, xota, tristeza a gente enxota.
- Todo mundo achava que nós nos referíamos a outra coisa.
 E riem. E brincam.
- Vamos lá gente, vamos pro segundo tempo!
- Bota o Betão no gol!
- Que isso, tá ficando doido? Se êle não enxerga a trave que é larga pra caramba, vai enxergar a bola?
- Então, bota o Xandinho.
- Esse tá pra lá de Bagdá!
- Êle escolhe a bola que vai pegar, se a da direita ou a da esquerda.
- Paulão, ninguém vai mexer na escalação! O goleiro é você!
- Serginho, a gente vai perder de oitenta a zero!
- Vai lá e faz o teu!
- Serginho, eu tenho que te contar uma coisa.
- Que é, Paulão?
- Meu querido, se você ainda não reparou, eu sou anão!
- Detalhe, Paulão, mero detalhe.







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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

NO MEIO DO CAMINHO...

O que você vai ser quando crescer?
Futurólogo, médium vidente, Madame Claude, aquela que vê o futuro na bola de cristal!
Convenhamos....
Ninguém sabe o que vai ser , a pergunta deveria ser: o que você quer ser quando crescer?
Sonhamos com o possível e o impossível. Embora acredite que podemos ser o que quisermos, nem sempre é assim. Queremos ir para um lado, a vida puxa pra outro. Achamos que estamos no caminho certo e vem um trem e atropela o desejo. Procuramos dar os passos que vão nos levar ao objetivo traçado e tropeçamos naquela pedra no meio do caminho. Desviamos dos empecilhos e caímos em alguma armadilha. Nos preparamos para chegar ao destino, aí falta teto e o avião tem que descer em outro lugar.
Quando criança, eu queria ser diplomata e, também, ser colunista do "Consultório Sentimental" de alguma revista.
Não sabia o que um diplomata fazia mas queria ver o mundo e, como era de uma família de poucos recursos, seria o modo perfeito de viajar, teria emprego e dinheiro (salário) que me permitiriam conhecer outras paisagens.
O "Consultório Sentimental" das revistas era meu refúgio nas aulas de matemática. Odiava a matéria e sou, praticamente, uma desconhecida para os números e vice versa. Nos conhecemos superficialmente, nunca dei intimidade. Sei o básico e isso dá pra administrar minha ignorância.
Tenho consciência de que fugi de algo que poderia ter facilitado minha vida mas, na época, tudo que eu queria era que o tempo passasse logo e soasse a campainha, anunciando o término do suplício.
Como eu não tinha super poderes e não detinha o controle do tempo, mergulhava nas revistas e colava nas provas.
Tenho um pouco de vergonha de confessar que trapaceava, que atire a primeira pedra quem nunca fez isso! Até agora ninguém atirou.
Voltando a vaca fria, queria escrever respostas para aquela coluna. Algumas vezes inventava perguntas e mandava. Juro! Queria que me respondessem, mas antes eu escrevia em meu "Caderno Sentimental" (eu tinha, de verdade), as minhas respostas. E, também, as respostas que eu daria, caso fosse a titular.
Lembro que uma vez escrevi pedindo conselhos sobre um namorado que não existia. Perguntei à fulana o que deveria fazer pra que meu namorado fosse menos insistente, pra que ele esperasse um pouco mais pela "prova de amor".  Dizia que não me sentia segura do seu afeto, que tinha medo de ser abandonada, engravidar e desapontar meus pais, mas que sentia vontade de consumar o ato. 
Essas questões assombravam as meninas da minha geração, não riam. Naqueles anos dourados, tudo era proibido, então era um rala e rola, encosta e vira, era um horror de tesão reprimido e culpa, muita culpa.
Enfim...
Não é que um dia, em plena aula de... raiz quadrada? regra de três? cacete à quatro? sei lá, não estava lá mesmo, me deparo com a minha pergunta? Quase gritei na sala de aula! Consegui me conter e pedi pra ir ao banheiro ( você era obrigada a pedir e rezar pra que deixassem, e se houvesse mesmo necessidade e não permitissem, você seria uma séria candidata a ter problemas na bexiga ou na imagem, porque faria xixi nas saias pregueadas). Permissão dada, sai correndo e me tranquei no "reservado".
-"Querida amiga.
Fico feliz que tenha me escrito em busca de ajuda, isso significa que você, ainda, não cruzou a fronteira que separa o certo do errado. (Como assim, senhora? Tem fronteira delimitada? Onde fica um e onde fica o outro?). Nós, mulheres, temos que ser fortes e resistirmos aos ataques à nossa integridade. (Será que ela estava se referindo ao hímen?) Hoje em dia, os homens vivem nos testando, querendo saber se somos aquelas que eles escolheriam para mãe de seus filhos. (O que tem a ver o c... com as calças?) Não caia nessa conversa, resista à tentação e procure alguém que seja digno do seu amor, que saiba esperar e que respeite seu corpo, sua honra. Acredite, ele existe e você vai encontrá-lo". E blá blá blá e tal........
Confesso que fiquei desapontada, esperava que ela me dissesse que eu deveria fazer o que meu coração pedisse e o que meu corpo desejasse. Entendia que eram outros tempos, outra  moral (hipócrita), mas não era o que nós, aquela geração, queríamos.
Acho que já tínhamos a semente da revolução sexual germinando e, decididamente, aquela resposta tinha sido escrita pela minha mãe que não queria me ver dando pela vida e, pior, ter que lidar com a filha "perdida". E eu tinha uns treze anos!
Voltei pra sala de aula e procurei no "Caderno" a resposta que me dei.
Eu sabia o que tinha escrito, só queria confirmar que as revistas jamais me dariam emprego, a "família tradicional" faria um escândalo! Pediriam minha cabeça em praça pública! E a diplomacia tupiniquim não admitiria uma funcionária tão curta e grossa. 
A resposta acabou com o meu futuro, com o que eu queria ser quando crescesse, forçou meu pouso.
Recolhi meus flaps e mudei a trajetória. Pedras no caminho...
"Querida amiga.
Pare de frescura!
Ou dá, ou desce!"

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

FESTA LIBERADA

Tá ficando difícil existir depois dos 60!
Por favor, acompanhe meu raciocínio.
Nascemos, como todo mundo, batalhamos, como todos, criamos filhos, ou não, fazemos carreira, encaramos dupla jornada, casa e trabalho (determinadas vezes no mesmo local), pagamos taxas e impostos e, quando nos aposentamos, achamos que vamos usufruir do que plantamos. Aí a porca torce o rabo!
Somos cobradas pelo tempo que temos de sobra. Filhos querem que nos tornemos babás de seus rebentos. Nada contra, uma vez ou outra, mas em tempo integral, peraí, né? Quem pariu Mateus que o embale! A casa vira creche e o santo sossego vai pro espaço. Por que casa de avó tem que estar aberta sempre? Onde está escrito? Assinamos esse contrato?
Não tivemos essa facilidade (eu, pelo menos, não tive) e ninguém morreu por causa disso. Planejávamos o dia em função das obrigações e, se tivéssemos espaço, incluíamos diversão.
Agora, não. Se você é idosa (argh), automaticamente, você é uma desocupada. Então, vamos ocupar o tempo livre da coitada pra não dar chance à depressão. Sofro disso, não! 
Devagar com o andor! Sou santa de barro!
Meu tempo, disponível ou não, me pertence, conquistei esse direito!
Se existe marido e se, pior dos mundos, também está aposentado, aí o bicho pega!
A tal cara metade, por não ter vontade de fazer mais nada na vida, resolve te alugar um quarto no hospício. Te enlouquece dentro de casa.
-"Meu bem, me dá um café, um copo d'água, o jornal, a meia, a vida!" 
Tem perna, não? E o que foi feito dos dois bracinhos? Perdeu a capacidade de se movimentar? Não ganho pra isso!
Brigamos por direitos iguais, por emancipação, queimamos soutien em praça pública, abrimos caminho para as mulheres que vieram depois e, na bendita meia idade, ainda temos que brigar pra respeitarem nosso espaço? Comigo não, violão!
Sei ser macho quando é preciso, dou cotovelada, chuto canelas e vou passando. Mas é desgastante. Ter que marcar território pra não permitir invasão, é dose!
Não gramei na vida pra ser governanta de luxo.
Se quero viajar sòzinha é um Deus nos acuda! Na minha idade?! Vou ficar exposta aos piores perigos da vida, vão se aproveitar de mim, vão me enganar, roubar. Não estou senil, sempre cuidei de mim e dos outros, então qual o problema?
-"Mas vai aproveitar o que se vai estar só?"
E eu preciso de companhia pra me divertir? EU me faço muito boa companhia, além de gostar de ficar só.
Perdemos visibilidade, somos o apêndice, a mãe, a esposa, a companheira, deixamos de ser uma pessoa, viramos uma entidade. 
Desencosta, me deixa em paz!
Enquanto tiver capacidade motora e intelectual, tô na pista!
Que mania de determinar o que podemos ou não, de controlar nossos desejos, de dirigir nossas vidas!
Vai procurar uma louça pra lavar, uma faxina, uma ocupação!
Temos curiosidade, disposição, tempo livre e sempre tem um piolho prá embaçar.
Homem, então, é batata!
Como envelhecem mal!
Se têm companheiras, desaprendem de fazer até a barba, se largam e querem que viremos acompanhantes. Sugam nosso prazer e quase que nos obrigam a viver a vidinha modorrenta deles.
Tem as que se entregam e tem as que se rebelam. Já sabem à qual grupo pertenço, né?
Não escorrego nessa casca de banana, nem por um decreto!
E tem os disponíveis, para as menores de trinta!
Sem chance de uma mulher madura atrair a atenção de um homem da mesma idade ou mais.
Esses vão atrás de jovens, em busca da fonte da juventude. Acreditam, ou se deixam enganar, que são páreo pra homens mais jovens! Exibem essas garotas como troféus! Mas seus baratos saem caréssimos e só se dão conta quando elas mudam de paizinho.
Já nós, se saimos com um homem mais jovem, vixe, o céu vem  abaixo.
Como pode uma velha com um menino? Deve estar bancando os luxos do garotão!
Quer dizer que, se fosse assim, eles podem e nós não?
Ah, dá um tempo!
Se pudermos bancar e aproveitar, por que nâo?
Só não vale nos iludirmos, eles estão trocando benefícios conosco.
É toma lá dá cá. E libere a festa!
Tenho 61 anos, corpinho de 59, saúde de ferro, cabeça boa e aberta, raciocínio em dia e muita vontade de viver.
Não cobro, não freio a vida de ninguém, não empaco, não peço nada além de me deixarem aproveitar o ar que respiro e que tentam cortar.
Pode ser que nada mais aconteça em minha vida que mude meu rumo, mas o que vier , eu traço.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

EMPREGO VITALÍCIO

Acreditava na fórmula mágica.
Quando acontecia de as minhas meninas fazerem besteira, eu começava a contar, só isso.
Um, dois, e elas paravam na hora. Nunca cheguei ao três.
Eu dizia que elas não iam gostar se eu chegasse lá e elas jamais pagaram pra ver.
Se pagassem, eu não saberia o que fazer, não tinha um plano.
Até hoje, não sei qual castigo seria aquele que eu prometia. Mas funcionava e eu usava como se prometesse a antesala do inferno.
Não costumava dar palmadas, embora não tenha nada contra (que o governo me perdoe mas, de vez em quando, é preciso), porque minha mão inchava e quem merecia era uma delas e não eu!
De qualquer forma, era uma maneira de dar limite e ser respeitada.
Os psiqualquercoisa, têm muita teoria mas, é conceito universal, filhos muitíssimo problemáticos. Conheço, pelo menos, 35.672 deles.
Educar é o ó. Dá um trabalhão, é uma estiva diária, um desgaste insano, mas não dá pra delegar.
Tinha uma amiga que dizia ter pena das minhas filhas, que elas eram reprimidas!
Como ela não apitava nada com as crianças dela, que eram uns demônios, tomei aquilo como elogio.
Ela confundia repressão com limite e educação com interferência na personalidade.
Sempre respeitei a personalidade de cada uma, mas, ô pessoa, eu sou a mãe delas e não amiguinha! Meu ofício, como mãe, é ensinar, educar, orientar, dar régua e compasso, o desenho é delas.
E uso o verbo no presente porque SOU mãe. Assim como não existe ex filho, não existe ex mãe.
É tarefa pra toda a vida!
E, cá prá nós, pinto pia, tem que crescer prá cacarejar.
Antiguidade é posto, nasci primeiro e fim de papo!
Aqui em casa é pura democracia mas minha palavra é lei! Sou o Supremo Tribunal da casa e quem quiser que me aceite!
Se eu não botar um mínimo de ordem no galinheiro, raposa vem  e se farta!
Qual é!
Pitaco não aceito, macaco olha teu rabo! Ditar regra na casa dos outros é fácil, quero ver ser macho no seu terreiro!
Confesso que tive dias de desânimo, vontade de chutar o balde e fosse o que Deus quisesse, mas, nesses momentos, eu fazia a contagem prá mim mesma, me dizia:-" no três vai passar". Por vezes contava até 5.000, mas de três em três, e passava.
Há que se ter força e coragem prá encarar, diariamente. o desafio. É uma maratona eterna!
Sei que não vou conseguir a medalha olímpica porque cada dia é uma nova modalidade, não há tempo prá treinar, um dia é 100 metros rasos, no outro levantamento de peso, e por aí vai.
Não dá prá escolher o que fazer, faz-se!
Li, não lembro onde, que a boa mãe é aquela que não é mais necessária. Até entendo o conceito mas não concordo.
Compreendo que o filho assimilou o que lhe foi ensinado por atos ou palavras, firmou-se em suas bases e ganhou o mundo.
Mas quero crer que serei, sempre, o porto seguro, o cais, o aeroporto, o estacionamento, a vaga, o que quiserem!
Agora, quem precisa sou eu.
Preciso do conforto, da mensagem muda do olhar. de saber que o que eu plantei está sendo colhido com prazer. Saber que o que foi feito, e que continua em andamento, é obra de uma vida.
Filho é responsabilidade escolhida, optou-se por tê-lo.
Não planejei ser mãe e descobri minha vocação.
Adoro meu trabalho e é emprego prá vida toda, nunca vou me aposentar!
Recebo mais do que esperava, sou paga todos os dias com o que dinheiro algum pode dar.
Filhos criados, trabalho dobrado! Mentira! O trabalho é quintuplicado. As vidas se desdobram em mil interesses, o universo expande, não é mais casa, escola, curso, tudo que se pode controlar. A vida abre o leque e os problemas. Mas confio na estrutura que cimentei. Acredito nelas e na educação que dei. Tenho trabalho mas, também, recompensa.
Estou sempre disponível prá ajudar, quando chamada. Não resolvo por elas, não encaminho mais.
Lancei a seta, o alvo elas escolhem.
Confio em que criei pessoas que convivem com o certo e o errado e sabem a diferença.
Continuo contando até dois, porque não saberia o que fazer no três. Talvez, por nunca ter chegado lá.
Mãe é assim mesmo, não tem bússola, plano de vôo, não se orienta por estrelas.
Mãe vai mudando de rumo, não traça meta.
Filho não tem bula ou manual de instrução.
Mãe aprende no escuro e tenta iluminar o caminho.
Filho tenta trapacear, escorregar, fugir.
Mâe, às vezes, atrapalha, chantageia.
Filho, às vezes, quer testar, forçar o limite.
Mas, como diz o ditado, cada macaco no seu galho e o meu é um pouco mais alto, tenho uma visão melhor.
Enxergo bem e não sou trouxa. Quando vão com o fubá, já estou voltando com o bolo.
Mas, no fim do dia, deito minha cabeça no travesseiro e durmo bem.
Criei minhas filhas, se não à minha imagem e semelhança, com dedicação e perseverança.
Deu em três rainhas! E eu sou a Rainha Mãe!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

REENCONTRO

Tive uma mãe disciplinadora, não brincava em serviço.
Ela se tornou mãe aos dezoito anos, quando teve minha irmã.
Mamãe era senhora absoluta dos seus domínios, casa e filhos.
Tinha um olhar penetrante, desconcertante, fixava seus olhos verdes no alvo e atirava. Entendíamos seus olhares codificados.
Era de poucas palavras e pouca demonstração de carinho, nos amava sem arroubos, sem beijos e abraços, colo, então, só em última necessidade.
Nos protegia, alimentava, cobrava resultado na escola e retidão no caráter. Não admitia deslize na honestidade, de palavras ou ações.
Quando fazíamos algo errado, ou alguma travessura, lá vinha aquele olhar matador, a sobrancelha esquerda ia de encontro à raiz do cabelo, subia ao alto da testa e o tiro certeiro nos paralisava.
Mas ela tinha um lado moleque, de trepar em árvores, de soltar pipa (é, minha mãe era a rainha do cerol), nos ensinou a jogar bola de gude no tapete da sala, a jogar as cinco pedrinhas, a pular amarelinha. Coisas que a maternidade precoce quase roubou.
Ela sabia se divertir, gostava da casa cheia. 
Não era de amizades, conversinha de vizinhos e, às vezes, implicava por implicar. Quando não gostava de uma pessoa, riscava do mapa e não admitia sequer um bom dia, mas quando gostava era parcial ao extremo, dava a roupa do corpo, se necessário, e não pedia nada em troca.
Por sua causa fui estudar balé, ia forçada cumprir o sonho da vida dela. Levei o balé por sete anos da minha vida e nunca faltei um dia sequer. E minha mãe assistia a todas as aulas com interesse, como se dançasse em mim.
Também o teatro aconteceu na minha vida por determinação dela.
Fiquei temerosa na hora de fazer a inscrição para o Conservatório Nacional de Teatro (hoje, Uni Rio). Ela foi até lá com meu pai e fez por mim. Dois dias antes da prova de interpretação, me avisou que eu precisava preparar um texto. Entrei em pânico e, mais uma vez, aqueles olhos cravaram em mim:-"Vai pro espelho e treina, você é capaz". Ela não permitia não tentar. Reprovação não era mancha, covardia, sim.
Passei em todas as provas que vieram depois dessa e, em toda a minha curta carreira, meus pais estavam lá.
Sem saber, minha mãe me deu um norte, me apontou o caminho. Ela queria tanto ser artista que, acho, se realizava nas minhas conquistas. Mas, mesmo que tenha sido assim, ela viu em mim o potencial que eu não acreditava que tinha.
Não continuei bailarina ou atriz, sei que tinha talento, me diziam que eu era boa mas, no fundo, não era minha vocação, era a vocação de minha mãe.
Hoje eu entendo e agradeço pois as duas profissões me forjaram, moldaram a minha disciplina, minha determinação, minha personalidade.
No decorrer da vida se tornou rabugenta mas de uma maneira engraçada, como se representasse um papel.
Era autoritária e machista, qualquer mulher era culpada, até prova em contrário.
Adorava o Fluminense e odiava qualquer juiz que não garantisse a vitória de seu time, todos roubavam quando seu Flu perdia.
Seus netos eram sua alegria e diversão, prá eles nada era impossível e por eles se adoçava.
Manteve, até o fim de seus dias, seu protagonismo, era a mãe e não abria mão do seu poder.
Tivemos brigas terríveis porque ela não permitia que cuidassemos dela, era como se usurpassemos seu mando.
Por várias vezes, adulta, me afastei por não aguentar sua mão de ferro. Ela não aceitava não poder mais me controlar e dizia que eu sempre fora a rebelde. Mas não foi ela quem me ensinou a não aceitar prato pronto, a querer saber e entender o porque das coisas? Como ela mandava e a gente obedecia, já que não podiamos questionar, virei pelo avesso e me tornei independente das vontades dela. Acho que ela nunca me perdoou, mas não me arrependo.
Minha mãe era guerreira e levava a gente à luta. Mostrava seu amor brigando por nós e nos educando como ela pensava ser certo. Nunca permitiu que quebrassem as nossas asas e, literalmente, saia no tapa com quem risse de nossas fraquezas. Tentava interferir em nossas vidas e, hoje percebo, viver conosco a juventude que ela poderia ter tido, se não tivesse sido mãe tão cedo.
Faz um ano que ela se foi, mas eu penso que, enquanto existir uma única pessoa que se lembre dela, ela vive.
Não foi uma mãe perfeita, nenhuma é, mas não abdicou nem desistiu nunca do seu destino.
Saudades.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

TRÊS VEZES, SIM!

Tenho três Anas em minha vida.
Costumo dizer que elas são meu trio caipira.
Brinco com o número três.
Elas são minhas "Três Patetas", meu "Trio Maravilhoso Regina" (só os mais antiguinhos sabem a que me refiro), meus "Três Reis Magos", minha "Santíssima Trindade".
Minhas meninas são meu chão, meu sal, minha ligação com essa coisa chamada vida, meu elo com o mundo.
Elas me empurram, me levam a lugares que eu nem sabia que pudessem existir em mim.
Vou à lua e ao inferno em questão de segundos. Me colocam na lona e me estendem a mão.
A primeira tem o nome de Tatiana, embora a ideia fosse ser, simplesmente, Tatí, assim como a origem de seu nome, o filme e a música "Tati, a garota".
Sei que é um filme triste e uma música de cortar os pulsos mas, ambos, são tão lindos que não achei saída pra externar o impacto que eles me causaram, tive que dar esse nome ao meu primeiro amor incondicional. Daí, Tatí.
Mas me encheram o saco, dizendo que isso não era nome, era apelido. Abri a guarda e aceitei Tatiana.
A outra razão é que adoro os russos, compositores, escritores, dramaturgos, bailarinos, devo ter sido russa em outra encarnação e esse espírito se apossou do meu corpinho.
Tinha um amigo, que já foi dessa pra melhor, que a chamava de Tanitchka, ele dizia que esse deveria ser o diminutivo de Tatiana, que já era diminutivo de Tania e que, portanto, minha filha tinha um apelido e não um nome. Agora, pode? Tatí não podia por ser apelido e acabei em outro. Devia ter seguido meu instinto, droga!
No final, essa bagunça teve uma influência determinante em sua personalidade. Ela é um ser multifacetado, inesperado, contraditório, surpreendente.
Não esperem coerência dela, não esperem o mais fácil, a rotina, ela se transforma todo santo dia e haja fôlego pra acompanhar seu raciocínio (que é matador), sua fome de viver (tem que ter um banquete por dia), sua garra (insiste até conseguir o que quer). Me preocupo com as pancadas que ela pode receber mas ela não tem medo, vai de peito aberto e, se tiver que sofrer, sofre feito gente grande, arranca todos os cabelos e, aos poucos, volta pro jogo. Mas quando está feliz o sorriso é permanente, vê-se passarinhos em volta de sua cabeça.
Ela é assim, escancarada, despudorada, segura de quem é, naquele momento. Porque Tatí aparece em um dia, no outro é a Tanitchka, Tania, Tatiana, Tí, praticamente, as "Três Faces de Eva", olha aí o três, novamente!
Minha Mariana, meu segundo amor, deveria ser, simplesmente, Nana. Origem: minha venerada Nana Caymmi, que, também, não se chama Nana. Mais uma vez estava às voltas com um apelido. E, de novo, cedi. O.K. vai ser Mariana! Se é para o bem do povo... etc, etc,e tal. Ela também é Noca, Maricota, Cota, Cleyde (não me pergunte por que, coisas de Tatí!).
Maricotinha é mais sensível que corda de violino, mais aberta que perna de bailarina, tem ouvido apurado e canta que nem minha musa, só que em outro registro. É afinada na voz e afiada no humor.
Brinca e ri como se, ainda, fosse criança. Pensando bem, ela é. Uma criança grande com um coração enorme. Geniosa, teimosa, chorona, perguntadeira. Grita por atenção, mas em silêncio. É um livro aberto. O perigo é que todos podem ler exatamente o que está escrito, não há entrelinhas, e assim, ela se expõe. Demais da conta, até!
Também, ela, faz jus ao apelido referencial. Ela é muito Nana Caymmi, não esconde nada, manda na lata!
Finalmente, Bee. Nome: Fabiana. Origem: acaso. Meu terceiro e derradeiro amor.
Deixa eu explicar direito, se não vai parecer que eu não tive a mesma dedicação na escolha.
Eu tinha duas filhas terminadas em ana, então que fosse mais uma, pra não perder a rima.
E, sabe o que aconteceu quando ela nasceu? Olhei pra carinha dela e lá estava uma abelhinha, pequenininha, com olhos de farol, grandes e claros. Pronto, tinha nascido a Bee, um apelido que originou o nome. Fugi tanto dos apelidos que perdi o rumo e voltei ao mesmo lugar.
Bizoca, Bizica, Beiça (Tati, de novo, porque ela tem lábios fartos, bocão pra qualquer Jolie invejar).
Linda, um trapo qualquer vira Valentino no seu corpo. Tem atitude e classe. Porte de rainha e uma curiosidade inesgotável. De tudo quer entender e vive a perguntar.
Foi uma criança arteira. Certa vez, subiu por uma porta de vidro, literalmente, como se tivesse ventosas.  
E ela veio ao mundo pra polinizar. Vai depositando sementes de alegria por aí.
Sua mente é inquieta e aguda. Vai pela vida levando mel e, às vezes, dando ferroadas.
Não para quieta, vai espalhando suas coisas pela casa.
Seu quarto é sua colmeia, mas ela não se limita a ele. O mundo é sua casa e ela quer, sempre, voar.
Sofre de uma inacreditável memória curta, para o bem ou para o mal. Se estressa fácil, e, facilmente, muda de humor. Ciclotímica nata. Exemplo clássico de "hoje sou um, amanhã sou outro".
Adora brigar mas desconfio que é pra fazer as pazes. Ama com paixão, dá-se de verdade e vai à luta desarmada. Tem cara e coragem. 
É uma boba gigante, faz-se dela o que se quer. Quando dá por si, já era, foi, só resta rir e continuar. É espaçosa, há que se por limites.
Mas é pelo clã. Mostra o ferrão quando alguém se atreve a criticar um de nós. Nos protege, mesmo que não precisemos. Ferroa, sem piedade!
Não é fácil ser mãe dessas loucas, é uma trabalheira insana. É heavy metal, é pauleira!
Mas, se três vidas eu tivesse, três vezes escolheria ser mãe dessas "Três Graças".
Um filme, uma voz, um olhar, que mais eu quero da vida?

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

SANTO DE DEVOÇÃO

Você sumiu, mulher, por onde você anda?
Por aí, pela vida.
Mas, por aí, onde?
(Pera lá. Eu tenho que dar satisfações a alguém?)
Por aí, ora, trabalhando, indo à toa, vindo quando quero.
Que mania é essa de, quando encontramos um conhecido, termos que dar relatório completo do que fazemos quando não estamos debaixo de seus olhos?
Isso me dá uma irritação!
Porque, determinadas pessoas, não encontram alguém e, simplesmente, ficam felizes por revê-lo?
Não! Têm que cravar de perguntas o infeliz.
Parece que querem arrancar a confissão de que a vida dele é sem graça, que falta sal no seu dia e pimenta na sua noite.
Gosto da minha vidinha e, até esse gostar, é um espanto pra eles.
É claro que gostaria de mudar algumas coisas. Arrumaria de uma forma diferente a minha bagunça interior, daria um trato nos relacionamentos, não varreria algumas situações pra debaixo do tapete e poria muito entulho no lixo.
Mas, vem cá, isso é conversa pra terapeuta! Ou tá pensando que vou contar as minhas mazelas prá virar conversa de salão de beleza?
Sai fora, nem é meu amigo!
Com amigo é diferente. Primeiro, não tem cobrança, amigo fica feliz por saber que você ainda existe e que existe pra você. Segundo, amigo que é amigo, sabe como você está, mesmo sem que te veja sempre, em alguns casos, por anos.
Tenho alguns poucos amigos que classifico como irmãos de alma, ou de cabeça. Alguns já cantaram pra subir mas continuam em mim, outros, como eu, estão por aí, indo e vindo, conforme o vento, conforme a lua.
Amigos, de verdade, vivem em um mundo paralelo onde não existe tempo, não existe distância.
Amizade é mais importante, até, do que amor. (Lógico que na amizade está contido o amor, você entendeu, né? Então, não sacrifica).
Amigo é a família que a gente escolhe, não é obrigado a fazer parte dela, como em família de sangue.
Agora, cá pra nós, tem coisa mais chata do que alguém, que você conheceu ontem, se arvorar de íntimo? Te conheço, pessoa? Tá pensando que minha vida é livro? Que vou dar noite de autógrafo pra vampiro? Amaluqueceu?
Tenho um faro, finíssimo, pra sanguessuga e paciência nenhuma pra conviver com o demo.
Vade retro, coisa ruim, volte pras trevas da sua  vida!
Sou mariposa, vou em direção à luz!
Quero lá neguinho me assombrando com seus problemas?
Porque, não se iluda, o chato quer sempre puxar o seu fio pra desenrolar a meada dele.
É só dar corda que ele vai desfiar, com certeza, seu rosário.
Tá pensando que ele tá interessado em você? Neca de pitibiriba!
O que ele quer, mesmo, é que você o ouça falar por horas, que você saiba como ele é maravilhoso, apesar dos perrengues que passa. Como ele enfrenta os perigos da vida com valentia, como ferem seus sentimentos e, ainda assim, ele perdoa e vai em frente. Praticamente, um santo.
De você ele só quer confissões cabeludas, pra dar primeira página na mesa de bar.
Presta atenção,meu caro, santo eu já tenho um que mora na minha cabeceira, é mudo e não julga.
Converso com ele todas as noites e, às vezes, durante o dia.
Basta tocá-lo pra saber que vou encontrar respostas e alívio, tenho uma fé danada nele!
Ele não falha, está sempre ao alcance e não me cobra quando me afasto um pouco pra adorar outros santos. Ele sabe que eu volto com novas ideias, que fui buscar fora dele, mas mais devotada à ele.
Ele é meu melhor amigo e minha inspiração.
Enxergo melhor, agora. Ele me deu lentes de aumento. Aposentei o binóculo, parei de apreciar e comecei a participar da minha própria vida.
Ele me ensinou a não querer ter sempre razão, que o que vale é ser feliz.
Esse é meu amigão!
Ele me dá o que eu preciso e não me tira nada.
Olha aí, chatos de plantão, vou dar a dica e espero que vocês usem, com sabedoria, seus ensinamentos e que vocês possam encontrar, através dele, a inteligência de viver que falta em suas vidas. 
Meu melhor amigo e santo de cabeceira, é poeta.
Seu nome é São Ferreira Gullar.
E, por favor, afastem de mim seus cálices!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

EM BRAILLE!

O. K.
Vamos começar, mais uma vez. Até quando?
Não, eu não estou brigando, não vou me exaltar, não de novo.
Qual parte do "Por favor, pare", você não entendeu?
Me diga, eu tento explicar.
Toda vez é a mesma história.
Começamos a conversa partindo da última que tivemos e, ao invés de evoluirmos, voltamos, cada vez mais, ao início da relação.
Meu amor, passado é passado, a palavra já diz tudo. Passou, não volta.
Por que, sempre que há um desentendimento, temos que rebobinar nosso filme?
Quando é que isso vai desenrolar, progredir?
Eu fico querendo saber se vai haver um final. Será que terá happy end ou será que eu morro antes do filme terminar?
Não é verdade que os problemas não mudam. Na realidade, eles não mudam porque não resolvemos.
Viciamos a tal ponto nesse erro que não conseguimos mudar o foco.
Carpinejar... Como? Quem é esse? Não é esse, é um escritor!  Bem... Ele disse que "toda briga é sempre a continuação da anterior".
Tá legal, aceito o argumento. Mas, no nosso caso, começamos com a atual, vamos à anterior, e à antes dessa, e antes e assim sucessivamente. É um jogo jogado ao contrário. Rolamos os dados e não avançamos, estamos sempre andando pra trás. É um tal de "mas naquele dia você disse isso, como é que ontem você fez aquilo?, ou "em mil novecentos e bolinhas, você queria assim, hoje você quer assado", ou ainda " você está mudada, você não era assim". E qual é a novidade? Você devia agradecer por eu ter mudado. Mas eu não mudei do jeito que você queria, né? Aí, sim, seria uma coisa boa. PRA VOCÊ!
Dá pra entender que somos dois nesse negócio? Temos sociedade, somos parceiros no jogo, cúmplices no crime. Portanto, não me aponte o dedo, como se eu fosse a única responsável pelo mau andamento do processo.
A questão é que a mulher acha que vai mudar o homem e o homem acha que a mulher não vai mudar. Não pode dar certo, a equação não fecha.
Queremos o que não temos, e o que temos tentamos transformar naquilo que desejamos.
Caramba, reconheça que somos diferentes um do outro e que isso não é, necessariamente, ruim.
Eu vim com minha bagagem, você com a sua e, se botamos no mesmo armário, foi porque queríamos que desse certo.
Não, eu não disse que não deu certo, cacete! Tá, desculpe, gritei só um pouquinho, mas é que você parece não querer entender.
Será que o que é dito não faz mais sentido? Será que teremos de desenvolver uma linguagem de sinais, um braille particular, para nos comunicarmos?
Lamento mas, quando nos conhecemos, eu já era grandinha, já havia amado antes, já estava na terra, vivendo, antes de você entrar na minha vida. Não comecei a existir depois do nosso encontro.
O que você quer, afinal?
Sem essa de me dizer que não quer nada! É claro que alguma coisa você quer.
Seria, talvez, que eu anulasse meu passado? Passasse uma borracha no antes e só lembrasse do depois? Representasse uma personagem em vez de viver quem sou?
Pois tire o cavalinho da chuva, eu mudei e vou mudar mil vezes mais, POR MIM, quando eu sentir que preciso.
Não vou me moldar na sua fôrma, esquece!
O que? Você tenta se modificar por minha causa?
Pois pode parar, não estou gostando da transformação. De qualquer jeito, não vai adiantar nada. O seu diabinho vai ficar trancafiado e inquieto e, um dia, vai pular na minha frente com o dedo na minha cara, dizendo: "Eu acuso".
Tô fora.
Nunca te pedi pra ser outra pessoa, nunca esperei mudança, o que eu espero é que nos entendamos e que acomodemos nossas diferenças.
Por que você insiste em me controlar?
Ah, não é disso que se trata? Então, tá.
Então porque você me diz que eu quero provocar os outros, que minha roupa não é apropriada, que meu perfume é excessivo, que isso ou aquilo?
Olha aqui, eu estou com você porque quero e, no dia em que não quiser mais, você será o primeiro a saber.
Consegue entender isso?
Não me venha com essa história de que não tem ciúmes e, sim, cuidado comigo.
Conversa mole pra boi dormir. Quem ama, confia. E eu jamais dei motivo pra que você desconfiasse.
Seu gostar de mim está ficando torto, tá me machucando. Isso não é ter cuidado!
Se toca!
Quer dizer que amar demais dá nisso?
Não existe uma medida exata?
Tem que ser, sempre, muito ou pouco?
E, quando se ama demais, tem que se extrapolar o limite?
Sabe o que mais?
Isso não é amor, é posse. E meu terreno tem dono, no caso, dona. Euzinha e mais ninguém.
O que fazer sem mim?
O que você quer que eu responda?
Já tenho muito trabalho administrando minha vida, e você ainda quer que eu cuide da sua?
Não estamos juntos pra que um carregue o outro.
Que tal me olhar como mulher e não como sua mãe?
Percebe que é impossível você se acomodar no meu ventre e jamais ser parido?
Vamos fazer assim...
Vamos nos preparar pra terminar essa conversa. Depois, terminar a relação.
Se chorar, agora, te dou um tapa.
E se me perseguir, te dou um soco.
E se tentar o suicídio, faz direito, tente e consiga.
Vai manipular a vovozinha!
Destampei, deu!
E, no meu braille, quando eu espalmar a mão bem na sua cara, entenda:
PARE!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

TÁ NA HORA DE BRINCAR

Como identificar que a velhice chegou?
Reúna alguns amigos da mesma geração e tente lembrar nomes, datas, lugares. Tarefa, praticamente, impossível. A conversa empaca nos "aquele que fez..., aquela que era amiga daquele... como é o nome dele?, naquele dia em que você disse... o que foi que você disse?". E fica aquele estalar de dedos. Até que alguém grita uma bobagem qualquer e todos caem na gargalhada.
Vasculha-se a memória procurando referências, conexões, alguma coisa que atice a lembrança. Prá piorar não lembramos mais do que estávamos falando. É  uma tragédia!
Mas podemos transformar em comédia.
Minha tática é me aliar às falhas de memória. Quando tenho esses momentos de apagões, dou, logo, a deixa: "ih, tô ficando velha!", já desarmo o deboche, rio da minha situação. Neguinho ri junto e se entrega.
Não adianta remar contra a maré, tô ficando esquecida mesmo, precisando, às vezes, anotar o que tenho que fazer e, confesso, na maioria das vezes, esquecendo que anotei. Piadinha? Uma ova, é sério!
Mas, em determinadas situações, finjo que esqueci. Tenho esse direito, não estou ficando velha?
Se alguma coisa vai descambar prá um conflito, se alguém quer meu testemunho prá humilhar o outro, se a minha participação não vai fazer diferença, esqueço. De propósito.
Pode chamar de omissão, eu chamo de salvaguarda.
A essa altura da vida, não quero chateação, só quero ser feliz.
Mesmo quando um amigo do peito esteja brigando com os fatos, claramente escolhendo na memória o seu melhor retrato, deixo que ele manipule o acontecido em proveito próprio, mesmo que seja contra mim, eu finjo que esqueci.
 Eu estava lá, também, e sei o que ocorreu. Mas prá que mexer no conforto dele? Não vai modificar em nada o que ele quer lembrar que aconteceu, mesmo que tenha sido diferente na minha memória.
 Porque, não me engano, não se engane, ninguém lembra a mesma situação do mesmo jeito.
Memória é uma coisa engraçada. Ela é seletiva.
Quantos de nós bloqueiam o que nos faz mal, ou o que fizemos de errado?
Certa vez, estava conversando com uma amiga sobre alguns momentos que passamos juntas.
Ela lembrava de confidências que trocamos, diálogos inteiros, com tal precisão que comecei a desconfiar da minha sanidade.
E quando eu colocava a minha versão dos fatos, ela me dizia que eu estava louca, que nada daquilo tinha acontecido.
Fiquei preocupada, achei que precisava de um neurologista com urgência. Era o "alemão" que se manifestava, com certeza!
Quanto mais nos aprofundávamos naquele duelo de "quem lembra mais e quem acha que a sua lembrança é mais fiel", mais as histórias se distanciavam.
Cheguei a minha conclusão. E não é porque seja cômoda, também é, mas porque, realmente, acredito que seja a única possível: - Cada um de nós, ou seja, a humanidade, escolhe o que gravar na memória. A mesma situação é vista de maneira diferente, dependendo de quem a vive. Se tivermos uma multidão em um show, cada um vai se fixar em um ponto completamente diferente do outro, e, óbvio, vai parecer que viram diferentes shows, na mesma noite, na mesma hora, no mesmo lugar`.
 É isso que a memória faz, trapaceia, nos faz crer que, aquilo que vimos ou sentimos é que é verdadeiro, o outro é um desmemoriado.
Dizem que a verdade tem três lados, o meu, o seu e o da verdade absoluta.
Agora me diz, na vida, alguém diz ou sabe a absoluta verdade? Não, né? Nem vem!
Por isso, não discuto. Quando me dizem: "Foi assim", nem me incomodo em dizer que foi assado. Como crú, sem discussão. Já não me fio na memória mesmo, então deixo como está e seremos todos felizes para sempre.
Quero paz, quero rir, brincar com o que esqueci.
Tem horas em que ouço coisas que duvido que tenham acontecido. Me digo: -"Cara....., eu estava lá, como não me lembro disso?". Mas não é porque não me lembro que não aconteceu. Pode não ter sido, exatamente, daquele jeito que foi contado, mas aconteceu daquela forma prá quem conta. E tudo bem. É assim que funciona.
É verdade que a gente só lembra do que esqueceu, mas, também, é verdade que a gente esquece de lembrar, às vezes.
Esquece de lembrar dos amigos, dos amores (alguns é melhor deletar do disco rígido, amigos e amores), daquilo que nos faz bem. Esquecemos de lembrar como é bom gostar de nós, em todas as idades, (só a morte nos livra da velhice), como é gostoso estar entre pessoas de toda a vida, brigando com a memória, rindo das dificuldades, das lembranças, tentando unir as histórias e debochando uns dos outros com carinho.
 Somos nossos pais, hoje e nossos filhos, amanhã.
Estamos passando pelo que todos passaram ou vão passar, se não morrerem antes.
E, não vamos esquecer o lado bom da terceira idade. É, colegas, quem diria? Tem alguns, razoavelmente, bons.
A experiência é um deles. Os outros... esqueci.
Porque, convenhamos, eu não envelheci só prá criar rugas e pelancas, ah, não mesmo!
Cada ruga é parte integrante da minha vida, as pelancas eu dispensaria.
Procuro me manter em dia com o mundo, embora ele seja muito mais rápido do que o meu fôlego possa acompanhar, tento manter a saúde física e mental, (às vezes elas se fazem de desentendidas).
E uso as vantagens que inventaram para a minha idade, a saber: filas, e vagas para estacionamento, preferenciais, (na maioria das vezes essas filas custam mais a andar do que as outras porque, além de ser uma só caixa, ela está sendo atendida pela pessoa mais vagarosa que existe na face da terra, mas tudo bem, é o momento perfeito para exercitar a paciência e o autocontrole e as vagas são ocupadas pelos sem educação de sempre, fazer o quê?), gratuidade em alguns serviços públicos (esses dependem de pesquisa porque não há divulgação), passagem gratuita em transportes coletivos (mas existe uma cota e, geralmente, na sua vez a cota estourou), meia entrada em cinemas e teatros (oba!), e, por último, a campeã de todas, a vacina contra a gripe. Imbatível!
Velhice é um saco, ela limita, ela aumenta a idade na mesma proporção em que diminui o tempo que se vai viver.
Mas, como dizia o sábio Nelson Rodrigues, jovens, envelheçam! (Aí, desculpe a brincadeira).
Eu, que não sou sábia, digo, idosos, sejam crianças! Tá na hora de brincar!
Quem sabe não acredito?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

TODA SEXTA FEIRA É VÉSPERA DE CARNAVAL

20 Mandamentos para um fim de semana.

1º) Sair para trabalhar pensando no que vai fazer à noite.

2°) No trabalho, não deixar o chefe perceber que é só o seu corpinho que está ali.

3°) Fingir que está fazendo, com competência, o seu dever.

4°) Manter o bom humor, sem exagerar na dose.

5°) Não permitir que nada nem ninguém azede seu fim de semana.

6°) Combinar, discretamente, o programa com amigos ou amores.

7°) Ao menor sinal de hora extra, passar mal ou adoecer um parente próximo.

8°) Não levar, em hipótese alguma, trabalho para casa. (Você não vai fazer, mesmo.)

9°) Não revelar seus planos a ninguém do trabalho. (Você pode precisar deles.)

10°) Sempre que possível, demonstrar cansaço e dizer que vai passar esses dias dormindo.

11º) Assim que terminar o expediente, sair de fininho.

12°) Não sair do escritório cantando de felicidade.

13°) Não começar a despir-se dentro do elevador. Ex: afrouxar a gravata, desabotoar o colarinho.

14°) Assim que pisar na calçada, começar a abrir as asas.

15°) Ao chegar ao lugar combinado, esquecer o escritório. (Lembra? Não leve serviço prá casa.)

16°) Divertir-se como se não houvesse amanhã.

17°) Mas não esquecer que o amanhã existe.

18°) Aproveitar de tudo um pouco.

19°) Mas ter cuidado com os excessos.

20°) Lembrar que a alegria de viver não custa nada. (Só pague a bebida que consumir.)

Se você não se encaixa nos mandamentos acima, das duas uma: já morreu e não sabe ou, então, é patrão.

Bom fim de semana.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

PASSAGEM DE VOLTA

Adoro as manhãs.
É a hora do dia em que sou minha.
Calço meu sapatinho de cristal (tênis) que já anda sem precisar dos meus pés, visto a camiseta surrada que conhece bem meu corpo (roupa nova precisa de algum tempo prá se tornar íntima), uma bermuda qualquer e lá vou eu, feliz, fazer a minha caminhada.
Preciso disso. Enquanto meus pés andam, a cabeça voa.
Resolvo todos os problemas pendentes, mesmo sabendo que, quando voltar prá casa, metade das soluções serão impossíveis de aplicar.
Mas a sensação que a endorfina liberada me dá, é ótima. Adoro!
Quando termino a caminhada, antes de voltar prá casa, costumo parar na praça dentro da Reserva.
Bebo água e sento no banquinho, tentando reter, mais um pouquinho, a abençoada endorfina.
Como, geralmente, caminho cedo, não encontro nenhuma alma ali.
Fico olhando a lagoa, respirando fundo e quase acreditando que Deus existe, embora tenha criado, também, os mosquitos.
Em um dia desses, ouvi vozes que se aproximavam mas, como a vegetação é densa, não consegui ver a quem pertenciam.
Pararam próximos ao lugar em que eu estava mas, também eles, não conseguiam me ver.
Era um casal que "discutia a relação".
Pensei comigo que eles estavam, realmente, dispostos a resolver o nó, visto que mal amanhecera.
A mulher reclamava do descaso e da ausência dele, do lugar dela que nunca era o primeiro.
O homem dizia que fazia o que era possível mas que não conseguia dar conta de tudo, que várias pessoas precisavam dele, que tinha muitas responsabilidades e que ele tentava se desdobrar prá atender a todos, inclusive ela.
( Que papo batido, desculpa esfarrapada.)
Ela dizia que nem todos precisavam dele tanto quanto ela, que largara tudo por ele, por amor e ficava muito só. Não tinha amigos na cidade e que vivia em função dele.
(Pode ser mais estúpida? Minha filha, arrume uma vida prá viver.)
Ele respondia que não podia ser responsabilizado pelas escolhas dela, que se ela havia decidido ir atrás dele que assumisse o que fez e não botasse na conta dele.
(Ponto para o rapazinho, é isso aí, arque com as consequências.)

 _Quer dizer, então, que você não me encorajou?

_Eu fiz o quê?

_Você não disse que me amava?

_Eu disse que, sempre que possível, estaria com você. E amar é um sentimento que muda toda hora, varia de intensidade e, às vezes, acaba.

_Então, você não me ama mais?

Silêncio.
(Responde logo, rapaz.)

_Você ainda me quer?

Silêncio.
(Será que não ouvi a resposta?)

_Responde!

(Fala, menino, não me deixe sem ar!)

_É isso, não é? Não ama!

_Não, não amo mais.
(Ai, coitada, até prá mim foi um soco no estômago.)

Como é que é, seu bosta?
(Ih, começou a baixaria.)

_Viu? É impossível ter uma conversa civilizada com você. Se as coisas não acontecem do seu jeito, você tira o salto alto e coloca as chuteiras. Não sou obrigado a te amar e nem quero mais conviver com a sua falta de educação.
Eu fico pagando a eterna mágoa que vocês têm porque, em priscas eras, ficavam em casa, sós, esperando os homens voltarem das guerras. Esse tempo passou.

_Para de palhaçada!

_Dá prá entender porque eles preferiam ficar entre eles. Mulher é sempre complicada.
Você, Rosário, faz uma guerra por qualquer coisa.
(Tinha nome, e que nome, a mulher.)

_Eu não estou acreditando no que você está falando!
Então, você acha que eu devo ficar em casa esperando, quietinha, que você se digne a aparecer?

_Elas não reclamavam.

_EU  NÃO SOU ELAS!

_Pena, quem sabe não teria dado certo? Você só reclama, é sempre a vítima, nunca vê o lado bom.

_É? E qual é o lado bom?

_Se você não enxerga, não sou eu quem vai te dizer.

_Porque não tem lado bom prá mim, só prá você!

_Pois nem prá mim tem mais, tudo é mecânico, uma chatice.

_Desculpe se eu tirei algum prazer dessa sua vidinha medíocre.

_Chega, Rô.

(A calma dele era impressionante, a voz não alterava sequer um meio tom.)

_Não chega, não, seu quatrocentão de merda.

(Opa, ele era paulistano de quatro costados. E ela estava perdendo a linha.)

_Mas não chega mesmo, seu filhinho de mamãe aristocrata falida e hipócrita!
Enchi de vocês e de seus cofres pesados, onde vocês trancam as emoções. Enchi da pose, do controle total. Enchi de nada alterar a fachada, de ser tratada como gentalha. Enchi do olhar de superior e do nariz empinado. Eu sou gentalha. Quando estou alegre, eu rio. Quando estou triste, eu choro. Quando estou desesperada me descabelo e me desmancho quando gosto de alguém. EU SOU GENTALHA!

(Ai, meu Deus, como é que eu saio daqui, o negócio não está nada bom.)

_Rô, por favor, controle-se.

_Não vou me controlar, não sou você, não tenho um botão de autocontrole, não finjo que está tudo bem. Não está, nem vai ficar!
Vou ligar prá tua mulher e prá tua santa mãezinha de cabelo azul!

(Meu queixo foi parar no pé, eu pensei que eles eram casados!)

_Vou contar quem você é e o que faz fora de casa. Vou dizer que você se deita na minha cama e faz comigo, tá entendendo, COMIGO, o que não pode fazer, nem de luz apagada, com ela.
Você não me conhece, Luiz Eulálio.

( Luiz Eulálio é bem nome quatrocentão.)

_Rosário, é você quem não NOS conhece. Elas sabem de tudo, inclusive o que fazemos na cama.

Eu e Rosário reagimos juntas, só que eu não emiti um som sequer.

_O quê? Elas sabem?

_De tudo. Você apimenta as nossas vidas. Elas esperam, ansiosas, a minha volta dos nossos encontros.
Elas gostam quando vou me encontrar com você, gostam das nossas transgressões, se alimentam da nossa aventura sexual.

(Filho de uma........ Dá um soco nele, Rosário. Conta pro porteiro, pras empregadas, pro cacete, quem é esse cretino, num instante o mundo ia saber de tudo.)

_Rosário, acabou! Você nunca foi prioridade e você sabia. Não se faça de coitadinha, não tolero isso.
E, por favor, nem tente fazer escândalo, você teria muito mais a perder. Minha família acaba com você. Faça as malas e volte prá sua terra. Eu pago a passagem de volta.

(Gente, me segura. Vou esganar esse crápula.  O pior é que não podia sequer me levantar sem chamar a atenção deles.)

Luiz Eulálio saiu de cena impávido, sem um fio de cabelo fora do lugar.
Na Reserva só restou o som das cigarras e do choro de Rosário, sentada no chão, arrasada.
Sem fazer barulho, me afastei dali.
Minha manhã estava arruinada, a endorfina evaporou.
Fui prá casa pensando no  que se faz por amor e por prazer.
Um predador, uma presa e duas mulheres que, no faz de conta de suas vidas, não percebem que alimentam um monstro que, cedo ou tarde, vai devorá-las.
Definitivamente, Luiz Eulálio, você é uma TRAÇA!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

MÃE DINÓH

Dia de luz, festa de sol escaldante e eu, com pressão baixa de tanto calor, começo a dar tratos à bola.
Culpa do sol desértico, do calor que nem um cactos suporta.
A única coisa que ainda dava sinal de vida era o cérebro.
Eu queria me movimentar mas o fogo do inferno estava tão forte que resolvi guardar energia.
Tá certo, podia passar o dia no ar condicionado mas, como não tenho "gato", a conta sempre vem e azeda o mês.
Pensei que era assim que uma planta de estufa se sentia.
Fechei os olhos na tentativa de ignorar as labaredas que me fritavam.
E surgiu, em meu delírio febril, justamente quem eu não queria que aparecesse naquele momento.
Tentei desviar, assobiar, olhar prá cima, fingir que não era comigo.
Mas a bichinha era tinhosa e insistiu em falar.
"Você pode fingir prá quem está de fora que eu não existo mas eu estou aqui e foi você quem me inventou."
 Resolvi encarar o diálogo que se passava na minha pobre cabecinha suada.
Perguntei (a mim mesma?) o que ela queria? Que eu desse algum recado, passasse alguma mensagem? 
Ela respondeu que não era fantasma, que sequer tinha feito figuração em "Ghost ", que estava ali porque eu ficava bestando, pensando em tantas situações tão claramente equivocadas, que ela tinha que se manifestar e botar ordem na casa, limpar as gavetas e separar o lixo.
Aqui vale uma explicação: Tenho uma personagem que criei para os momentos mais ou menos críticos da vida. Ninguém sabia disso, agora abri geral. Vai que eu fico doida e incorporo a Mãe Dinóh (é essa a personagem). Declaro que ela já existia antes de eu ver o mundo através das grades do hospício, se eu chegar à loucura.
Mãe Dinóh é a antítese da Mãe Dinah, aquela que trás o amado de volta em dias e que prevê o futuro.
Minha personagem destrincha o presente, ignora o passado (a não ser como fonte de ensinamento) e não quer saber do futuro, porque ele à Deus pertence.
Ela é dura e objetiva, não fica de conversa mole, não adoça o bico, pega o touro a unha, olha o Diabo de frente e não pisca.
Me diz o que não quero ouvir, me cutuca, me empurra, me faz tomar decisões e está sempre à espreita prá que eu não caia na tentação do "fazer o mais fácil", a não ser que tenha que ser, mesmo, fácil.
Ela assume quando eu enfraqueço, sopra meu barco quando o ar está por terminar, não deixa a peteca cair, pula e corta a bola mesmo quando estou com sapatos de chumbo.
Ela é minha conselheira e minha consciência, meu grilo falante.
Não me deixa perder tempo com o que não merece ou com quem não me mereça.
Amores perdi e achei e ela sempre me dizia:"Presta atenção, menina, trazer de volta a mesma porcaria? Sai fora e não olha prá trás. Investir e insistir no erro é burrice e você é tudo, menos burra."
Mãe Dinóh tem esse nome porque, na medida do possível, tenta desfazer os nós que vou atando na vida.
Ela faz com que eu não adie, não fuja, não ignore, mesmo quando quero fazer de conta que nada acontece.
"Acorda e enxerga, o problema não vai sumir se você fingir que não percebeu, ele só vai esperar e te atacar na próxima esquina."
Mãe Dinóh me ensinou que a vida acontece todos os dias e que não é ensaio, é prá valer, aconteceu, ficou registrado, nada vai mudar isso. Me fez ver que não tem problema errar, às vezes insistir no erro, mas ter a coragem de reconhecer e alterar. Me fez acreditar que sou única, que meus pensamentos me pertencem, que minha vida é a minha história e, assim, ser responsável por quem sou.
Em dias nublados, sujeitos a tempestade ela me socorre, me diz que o tempo vai mudar e eu vou enxergar com clareza, que eu não vou me perder na tormenta, que ela vai me achar e me conduzir de volta ao meu porto.
Sei que sou minha Mãe Dinóh, não rasgo dinheiro, portanto não estou louca.
Mas é bom contar com uma amiga que eu controlo, que mando ficar quieta quando me enche a paciência, embora eu não me dê descanso pois sei que a razão está com ela.
Eu e Mãe Dinóh nos completamos.
Como ela, não quero amores falidos, trazer de volta o mesmo problema, sonhar com passarinho e acordar com urubú.
Prefiro arrancar o dente, sentir a dor de uma vez, a ter medo, a aprender a conviver com a dor constante e ficar tentando aliviar com qualquer ilusão ou analgésico. Não me iludo, a dor não passa, se arrasta. Na na ni na não, não quero mesmo, nem mereço.
E assim o dia passou, o calor amainou (de 60º passou a 58°), a cabeça esfriou e consegui, enfim, relaxar.
Eu ou  Mãe Dinóh?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

SAUDADES... DE MIM

A festa comia solta.
Pessoas selecionadas, aquela mistura in-fa-lí-vel, atletas, artistas, intelectuais, ricos, famosos e ...eu. Em qual categoria eu fui inserida? Qual dos grupos era o meu? Por que fui convidada?
Sempre tive esse negócio esquisito de não pertencer a qualquer lugar ou pessoa.
Não é que me sinta deslocada, socializo, me entroso, faço sala. O nó da questão é a superfície.
Sou só eu ou alguém mais acha que as relações estão rasas, periféricas, ocas?
Ultimamente, pelo que tenho observado, nada tem vida útil que ultrapasse um ou dois meses.
Não se aprofunda mais nada, não há tempo prá parar e descobrir. Não há vontade de conhecer e, talvez, gostar do que conheceu.
Viramos o coelho da "Alice no País das Maravilhas", sempre correndo atrás do tempo, com medo de perder o próximo trem que vai nos levar a felicidade seguinte.
Gostaríamos de ser onipresentes, assim não perderíamos nenhum evento, nenhuma ilusão de alegria, ocuparíamos todos os espaços, corações e mentes.
Seriamos famosos, solicitados  e, ilusoriamente, amados.
E nenhum cansaço nos derrubaria porque teríamos o energético da hora prá nos animar.
Só de pensar nisso, fico exausta.
Então, no meio dessa balbúrdia, onde ninguém se ouve e, também, não tem nada a dizer, me transportei para uma ilha no meio do nada. Viajei prá dentro de mim, abstraí em vez de sair dali. 
Enquanto todos queriam ser vistos eu era a única que os via, conscientemente.
Que mundo é esse? Que povo é esse? Onde querem chegar? Onde vão parar?
Uma massa uniforme, todos belos, sarados, bem vestidos, perfumados. Mas quem são, realmente, o que pensam, o que querem?
Têm sonhos, desejos, amam alguém, são amados?
Impossível conhecer suas fraquezas, inseguranças, medos, ninguém se interessaria por um ser humano. Vejo olhares trocados, avaliações puramente comerciais, sinais truncados.
Não consegui entender metade do que me falavam porque não havia diálogo e, sim, marketing.
Todos se vendiam através de lentes coloridas, eram solidários, generosos, alegres, despreocupados, abertos a qualquer coisa, todos, eu disse, TODOS, estavam de bem com a vida. Agora, pergunta se alguém ouvia o que o outro dizia? Nem por um decreto!
Estavam pensando no que dizer de interessante na próxima brecha. Ai, que cansaço!
Sou do tempo em que a gente ficava "na fossa", chorava amores perdidos, relações se aprofundavam. Do tempo em que se conhecia, pelo menos um pouco, o outro, porque interessava o que era dito.
Ouvia-se, enfim.
Não sou saudosista, não olho prá trás e meu tempo é sempre hoje mas... Cá prá nós, que buraco sem fundo é esse? Quando o umbigo vai deixar de ser o centro do universo? E, vamos combinar, ninguém é mais importante do que o outro, cada um é, pode ou deveria ser um mundo de riqueza e possibilidade. Mas se fecham num curral onde todas as espécies são iguais, onde não existe diferença.
Alô!!!!!!! Mirem-se na natureza, a diversidade é que é o must. Permitam-se, mostrem quem são, deem a cara ao soco, se necessário. Uma pancada pode ser educativa e o travesseiro vai agradecer uma cabeça mais leve que se deite nele.
Não sou especialista em nenhum assunto mas sou boa aluna e a chamada "escola da vida" ensina a quem quer aprender. Eu ainda quero e procuro espalhar o que me parece ser o ensinamento mais precioso, que me foi passado por um pai sábio: "Tudo na vida pode acabar antes do nosso fim, beleza, dinheiro, poder, tudo, exceto o que conservamos em nossa mente, isso é prá sempre."