quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

PASSAGEM DE VOLTA

Adoro as manhãs.
É a hora do dia em que sou minha.
Calço meu sapatinho de cristal (tênis) que já anda sem precisar dos meus pés, visto a camiseta surrada que conhece bem meu corpo (roupa nova precisa de algum tempo prá se tornar íntima), uma bermuda qualquer e lá vou eu, feliz, fazer a minha caminhada.
Preciso disso. Enquanto meus pés andam, a cabeça voa.
Resolvo todos os problemas pendentes, mesmo sabendo que, quando voltar prá casa, metade das soluções serão impossíveis de aplicar.
Mas a sensação que a endorfina liberada me dá, é ótima. Adoro!
Quando termino a caminhada, antes de voltar prá casa, costumo parar na praça dentro da Reserva.
Bebo água e sento no banquinho, tentando reter, mais um pouquinho, a abençoada endorfina.
Como, geralmente, caminho cedo, não encontro nenhuma alma ali.
Fico olhando a lagoa, respirando fundo e quase acreditando que Deus existe, embora tenha criado, também, os mosquitos.
Em um dia desses, ouvi vozes que se aproximavam mas, como a vegetação é densa, não consegui ver a quem pertenciam.
Pararam próximos ao lugar em que eu estava mas, também eles, não conseguiam me ver.
Era um casal que "discutia a relação".
Pensei comigo que eles estavam, realmente, dispostos a resolver o nó, visto que mal amanhecera.
A mulher reclamava do descaso e da ausência dele, do lugar dela que nunca era o primeiro.
O homem dizia que fazia o que era possível mas que não conseguia dar conta de tudo, que várias pessoas precisavam dele, que tinha muitas responsabilidades e que ele tentava se desdobrar prá atender a todos, inclusive ela.
( Que papo batido, desculpa esfarrapada.)
Ela dizia que nem todos precisavam dele tanto quanto ela, que largara tudo por ele, por amor e ficava muito só. Não tinha amigos na cidade e que vivia em função dele.
(Pode ser mais estúpida? Minha filha, arrume uma vida prá viver.)
Ele respondia que não podia ser responsabilizado pelas escolhas dela, que se ela havia decidido ir atrás dele que assumisse o que fez e não botasse na conta dele.
(Ponto para o rapazinho, é isso aí, arque com as consequências.)

 _Quer dizer, então, que você não me encorajou?

_Eu fiz o quê?

_Você não disse que me amava?

_Eu disse que, sempre que possível, estaria com você. E amar é um sentimento que muda toda hora, varia de intensidade e, às vezes, acaba.

_Então, você não me ama mais?

Silêncio.
(Responde logo, rapaz.)

_Você ainda me quer?

Silêncio.
(Será que não ouvi a resposta?)

_Responde!

(Fala, menino, não me deixe sem ar!)

_É isso, não é? Não ama!

_Não, não amo mais.
(Ai, coitada, até prá mim foi um soco no estômago.)

Como é que é, seu bosta?
(Ih, começou a baixaria.)

_Viu? É impossível ter uma conversa civilizada com você. Se as coisas não acontecem do seu jeito, você tira o salto alto e coloca as chuteiras. Não sou obrigado a te amar e nem quero mais conviver com a sua falta de educação.
Eu fico pagando a eterna mágoa que vocês têm porque, em priscas eras, ficavam em casa, sós, esperando os homens voltarem das guerras. Esse tempo passou.

_Para de palhaçada!

_Dá prá entender porque eles preferiam ficar entre eles. Mulher é sempre complicada.
Você, Rosário, faz uma guerra por qualquer coisa.
(Tinha nome, e que nome, a mulher.)

_Eu não estou acreditando no que você está falando!
Então, você acha que eu devo ficar em casa esperando, quietinha, que você se digne a aparecer?

_Elas não reclamavam.

_EU  NÃO SOU ELAS!

_Pena, quem sabe não teria dado certo? Você só reclama, é sempre a vítima, nunca vê o lado bom.

_É? E qual é o lado bom?

_Se você não enxerga, não sou eu quem vai te dizer.

_Porque não tem lado bom prá mim, só prá você!

_Pois nem prá mim tem mais, tudo é mecânico, uma chatice.

_Desculpe se eu tirei algum prazer dessa sua vidinha medíocre.

_Chega, Rô.

(A calma dele era impressionante, a voz não alterava sequer um meio tom.)

_Não chega, não, seu quatrocentão de merda.

(Opa, ele era paulistano de quatro costados. E ela estava perdendo a linha.)

_Mas não chega mesmo, seu filhinho de mamãe aristocrata falida e hipócrita!
Enchi de vocês e de seus cofres pesados, onde vocês trancam as emoções. Enchi da pose, do controle total. Enchi de nada alterar a fachada, de ser tratada como gentalha. Enchi do olhar de superior e do nariz empinado. Eu sou gentalha. Quando estou alegre, eu rio. Quando estou triste, eu choro. Quando estou desesperada me descabelo e me desmancho quando gosto de alguém. EU SOU GENTALHA!

(Ai, meu Deus, como é que eu saio daqui, o negócio não está nada bom.)

_Rô, por favor, controle-se.

_Não vou me controlar, não sou você, não tenho um botão de autocontrole, não finjo que está tudo bem. Não está, nem vai ficar!
Vou ligar prá tua mulher e prá tua santa mãezinha de cabelo azul!

(Meu queixo foi parar no pé, eu pensei que eles eram casados!)

_Vou contar quem você é e o que faz fora de casa. Vou dizer que você se deita na minha cama e faz comigo, tá entendendo, COMIGO, o que não pode fazer, nem de luz apagada, com ela.
Você não me conhece, Luiz Eulálio.

( Luiz Eulálio é bem nome quatrocentão.)

_Rosário, é você quem não NOS conhece. Elas sabem de tudo, inclusive o que fazemos na cama.

Eu e Rosário reagimos juntas, só que eu não emiti um som sequer.

_O quê? Elas sabem?

_De tudo. Você apimenta as nossas vidas. Elas esperam, ansiosas, a minha volta dos nossos encontros.
Elas gostam quando vou me encontrar com você, gostam das nossas transgressões, se alimentam da nossa aventura sexual.

(Filho de uma........ Dá um soco nele, Rosário. Conta pro porteiro, pras empregadas, pro cacete, quem é esse cretino, num instante o mundo ia saber de tudo.)

_Rosário, acabou! Você nunca foi prioridade e você sabia. Não se faça de coitadinha, não tolero isso.
E, por favor, nem tente fazer escândalo, você teria muito mais a perder. Minha família acaba com você. Faça as malas e volte prá sua terra. Eu pago a passagem de volta.

(Gente, me segura. Vou esganar esse crápula.  O pior é que não podia sequer me levantar sem chamar a atenção deles.)

Luiz Eulálio saiu de cena impávido, sem um fio de cabelo fora do lugar.
Na Reserva só restou o som das cigarras e do choro de Rosário, sentada no chão, arrasada.
Sem fazer barulho, me afastei dali.
Minha manhã estava arruinada, a endorfina evaporou.
Fui prá casa pensando no  que se faz por amor e por prazer.
Um predador, uma presa e duas mulheres que, no faz de conta de suas vidas, não percebem que alimentam um monstro que, cedo ou tarde, vai devorá-las.
Definitivamente, Luiz Eulálio, você é uma TRAÇA!

9 comentários:

  1. SEN-SA-CIO-NAL!!!! :)

    O mais triste e saber que Luiz Eulalio esta em tudo qt e lugar e cada vez mais descarado.....

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Não só o Luiz Eulálio, mas tbm há muitas Rosários por aí. Um só existe pq o outro corresponde a esse tipo de comportamento.
    É o típico caso de tratar com prioridade quem te trata como opção. Triste, mas real!
    Angelous, está arrasando, hein?
    Virou minha leitura diária!!!
    Bjssss

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  5. Mãeeeeeeeeeeeee,
    Choquei com esse post!!!
    MUITO BOM!!!
    Quero matar Luiz Eulalio!!!
    Beijos

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  6. Isso aconteceu mesmo?!?
    Maldita família aristocrata falida e hipócrita!!!!

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  7. Genteeeeeeeeeeem! Tô b-e-g-e!!!!!!!!!!

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