segunda-feira, 28 de maio de 2012

PAS DE UN

Um, dois... vinte e oito... setenta e nove...mil e seis...mil trezentos e quarenta e três...dois mil novecentos e noventa e nove, três mil carneirinhos contados em, aproximadamente, vinte e sete minutos. E nada do maldito sono aparecer.
Esses carneirinhos atrapalharam, não conseguia parar de contar!
Via-os pulando a cerquinha, um a um, em fileira.
O três mil e um já estava à postos quando abri os olhos e disse: chega, assim já é demais!
O pobre deve ter ficado congelado no salto abortado.
Me senti culpada por não ter dado à ele a chance de se exibir.
Acho que a falta de sono está me deixando maluca, me sentir culpada por um carneiro imaginado!
Olho o relógio pela milionésima vez e só passaram dois minutos desde a última olhada.
Levanto da cama, pego um livro chatérrimo e uma cerveja gelada.
Já que não bebo, o efeito seria rápido: livro porcaria + cerveja= sono instantâneo.
Cheguei à página oitenta, bebi duas cervejas e não aconteceu absolutamente nada.
Resolvo dançar, cansar o corpo. Coloco "O lago dos cisnes", calço minhas sapatilhas de ponta, já que fui bailarina. Minha memória corporal me traz de volta, pliés, jetés, fouetés, pas de burres, pas de chats, piruetas, arabesques. Meus braços e pernas adquirem vida própria. E danço "O Quebra Nozes", "Copélia", coreografias memorizadas. Meu corpo excitado responde com adrenalina e danço como se não houvesse amanhã. Suo, alongo, tiro as sapatilhas e massageio meus pés. Poder dançar, depois de tantos anos, o corpo obedecer, sem muita dificuldade, me alegra. E alegria, vocês sabem, tira o sono. Má idéia testar capacidade física nessa hora.
Tomo um banho quente, pelando, dizem que ajuda...aos outros, seres normais. Eu, como sou anormal, só consegui ficar cheirosa. Menos mal. Gosto de mim cheirosa. E eu estava insuportávelmente cheirosa.
Não aguentei ficar em casa, tinha que sair.
Me preparei como se fosse a uma festa. Me maquiei, prendi os cabelos, botei meu vestido vermelho, colado ao corpo, saltos altos, perfume suave, entrei no carro, música em alto volume, janelas abertas, senti o frescor da noite.
Respirei profundamente, exalei suavemente o ar quente que saia de minha boca. Beijei a noite.
Rodei um bom tempo, na solidão da alta madrugada.
Tão bom ter a cidade só prá mim. Ruas vazias, nenhum trânsito.
O dia começava a amanhecer, a cidade estava prestes a despertar, hora de voltar.
Entro em casa com as sandálias balançando em dois dedos, afago meu cachorro, tomo café, tiro a maquiagem, o vestido e nua, me deito. As cobertas me envolvem, me aquecem, me acariciam.
Engano o sono, atrasando o relógio. Voltei à uma hora da manhã, roubei cinco horas do tempo.
Não perdi o sono, ganhei uma noite de puro prazer, solitário, é verdade, mas não se pode ter tudo.



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