segunda-feira, 28 de maio de 2012

CLANDESTINO

A varanda era grande, com sofás confortáveis, mesas espalhadas, plantas e flores bem distribuídas.
Tinha balanços, desses bem antigos, que remetem à vida de fazenda, à simplicidade da existência.
Tinha velas que ela acendia à noite, luzes trêmulas acompanhando o pisca-pisca dos vagalumes.
Tinha a paisagem exuberante, vales, matas, lagos, montanhas.
Tinha a privacidade da distância de quilômetros, até o vizinho mais próximo.
Tinha a quietude quebrada somente por aves, micos, cães e gatos.
Tinha um céu azul , imaculado, durante o dia e uma tenda negra com luzes minúsculas, durante a noite.
Tinha a companhia de livros escolhidos, para espantar a solidão.
E de música erudita, para não quebrar a harmonia.
Tinha alimento e coberta que aqueciam o estômago e o corpo.
As noites eram geladas, naquela varanda, mas ela não se importava, gostava de frio.
Se enroscava em uma grossa manta de lã, encolhia-se no canto do sofá e deixava-se abraçar pela paz. Sentia-se parte da natureza.
Quando seus olhos cansavam de tanta beleza, fechava-os, assim a retinha na memória.
Apagando a imagem, apreende-se o significado.
E, como a lente de uma máquina, abria e fechava os olhos, captava a foto do instante fugaz.
Passava os dias caminhando com seu cão, única companhia e ouvinte, seus segredos bem guardados por um animal. Trocava afagos por lambidas de gratidão.
Quando cansava, sentava em uma pedra, tirava as botas e pisava na vegetação, buscando energia naquele solo úmido e frio.
O tempo escorria por si, passava sem chance de retornar. Tempo é a única coisa na vida que não volta.
Deitava sobre a pedra e olhava aquele céu, a luminosidade cegava.
Seu cãozinho aconchegava-se, não sei se aquecendo à si mesmo ou à ela.
Nos dias mais quentes, banhava-se nua na cachoeira que formava uma bacia. Ali, podia nadar.
Seu corpo se mostrava vivo, arrepiava-se com o choque térmico, um misto de desconforto e prazer.
Descargas elétricas a faziam tremer, mergulhava e, de olhos abertos, via o nada em volta.
Emergia, buscava o ar, expandia os pulmões, respirava a pureza.
Então, se tocava, se acariciava, fantasiava que mãos conhecidas e não as suas, desbravavam seu corpo, conquistavam seu mais íntimo recanto, implodiam suas defesas, explodiam suas represas e faziam jorrar sua fonte de prazer.

Em um desses dias, voltou à casa com o corpo acalmado, mas uma inquietude interior não a deixava sossegar.
À noite, sozinha naquela imensidão, lembranças invadiram seu refúgio, fantasmas assombraram, perguntas assolaram e a falta pesou, soterrou o coração em fuga. Não havia mais onde se esconder.
Passara todo esse tempo, tentando esquecer de si mesma, dele, da dor da separação.
Tentara se bastar, fugindo da tentação de voltar.
Acreditara que a distância se encarregaria de suavizar a perda.
Toda essa beleza e paz em volta e nunca se sentira tão infeliz.
Adormeceu sob um luar deslumbrante, inapropriado para o momento.
No dia seguinte, enquanto tentava livrar-se da ressaca emocional, sentiu a inutilidade de se esconder, de embriagar-se.
Dois telefonemas bastaram prá que o coração disparasse desgovernado. Telefonemas inesperados, descuidados, provocaram à volta ao lugar inicial.
Atordoada, despreparada, surpreendida, sentou no balanço e, como uma criança, se acalentou, abraçando o que restou dele: um casaco que viajou clandestino em seu carro. Esquecido, como ela.











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