domingo, 27 de maio de 2012

COMIGO ME DESAVIM

Andei brigada comigo. Me desaforando. Me chamando prá briga.
Estava de mal comigo. Me dei os dedos mindinhos, como quando era criança e trocava de mal com o amigo.
Não me olhava no espelho, não queria nem ver a minha cara.
Me chateei comigo, me disse coisas bem rudes e nem me desculpei.
Me chamei de burra, eu que sou até inteligente.
Me destratei, me xinguei, me aborreci prá valer, comigo.
Esqueci que sou minha amiga e me falei verdades cruas.
Me disse: quem é você prá acreditar no amor? Você já passou da idade!
Me respondi: mas amor tem idade prá acontecer?
E me falei, sem piedade: isso é coisa de gente jovem! Repara nas suas rugas.
Não bastava me repreender, tinha que me derrubar.
Briguei comigo porque me aventurei no amor, acreditei ser possível que alguém me amasse.
- Pera lá, me disse. Com tanta mulher bonita, jovem, esperando pelo amor, você realmente acredita que vai acontecer com você?
Tímidamente, me respondi: por que, não? O amor não escolhe, surpreende.
Me olhei com cenho franzido, e de minha boca sairam palavras que me atingiram o estômago como um soco.
- Você se ilude. Coisa de mulher de meia idade. Quer se sentir viva prá enganar a morte!
Confesso, baqueei.
Era isso que tínhamos? Pretexto prá tentar negociar com a morte? Últimos estertores? Último desejo? Extrema unção?
Tentei reagir, me dizendo que: não, não foi isso que eu tive, não pode ter sido só isso!
Me ataquei, de novo: deixe de ser besta, você foi usada e descartada. Rei morto, rei posto! Alguma dúvida? Aposto que, nesse momento, outra já tomou o seu lugar. Existem milhões como você, disponíveis, loucas prá serem enganadas, prá acreditarem que são especiais. Burra!
Me esfreguei na cara a impossibilidade de ser recortada e destacada na vida de alguém.
Briguei comigo, já nem sabia quem era a que atacava ou a que defendia. Era eu, comigo, misturando papéis. Saí no tapa. Desferi golpes baixos, chutei minhas canelas, me puxei pelos cabelos.
Me cobri de hematomas, sangrei meus lábios, feri meus brios e arrebentei meu amor próprio.
Fui ré e juíza, vítima e algoz, me embaralhei comigo.
Passei uma semana sem me falar, por fim achei que aquela desavença tinha que acabar.
Me procurei prá conversar comigo.
De início me fiz de ofendida, relutei em aceitar as pazes.
Tinha me dito coisa cruéis, me descuidei da delicadeza que podia ter tido, me tratei como uma qualquer, e não sou, sou eu, tinha que ter me tratado com mais cuidado. Me bati e apanhei de mim, perdi a elegância, perdi as estribeiras, perdi o juízo.
Fui ao espelho, me olhei dentro dos olhos, fixamente, me encarei sem máscara, sem defesa, éramos eu e eu mesma, nos reencontrando.
Me disse: ele dizia que meus olhos era o que ele mais gostava em mim.
Me respondi: porque você o enxergava, de verdade.
Falei-me: não me maltrate, me ajude. Ainda dói.
Toquei meu rosto refletido no espelho, me acariciei e chorei comigo.
Você tinha razão, me disse. Eu quis sonhar, voar alto, esquecer de mim, me entregar.
Me abracei e me perdoei por ter sido, por algum tempo, a mentira que criei prá mim.
Ainda estou estremecida comigo, juntando os pedaços que arranquei de mim.
Mas vou sair das cordas, da lona, do ringue.
E quando estiver inteira, vou viajar comigo.
Me prometi não me trair nunca mais, me comprometi a recolher e guardar as asas que achei que me pertenciam.
Hoje eu sei que asas são prá pássaros, gente como eu, que não pode voar, tem que cuidar do chão onde pisa e evitar escorregões.
Na minha idade, posso quebrar o fêmur!

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