quarta-feira, 16 de março de 2011

BOA NOITE, NUNCA MAIS

Seis da manhã.
Mal o despertador toca, já se levanta.
Tudo cronometrado, escova os dentes, prende os cabelos em um rabo de cavalo, passa batom nos lábios, sorri pra si mesma, como que ensaiando o encontro.
Vai à cozinha e prepara seu café, solitário, absolutamente igual, todas as manhãs.
Tempo suficiente para sentar-se na varanda e esperar.
Em poucos minutos, vai vê-lo.
Ele vai parar em frente à ela, sem notá-la.
Vai esperar a carona, como todos os dias, por, mais ou menos, cinco minutos. O carro vai tragar seu corpo e levá-lo para longe dela.
Ela vai voltar aos seus afazeres, arrumar a casa, regar as plantas, lavar roupas e louças, banhar-se, vestir-se e, como um robô, dirigir-se ao trabalho.
Nove horas, ela já está em frente ao computador, fazendo, exatamente, a mesma coisa, chova ou faça sol.
Revisa os relatórios, corrige o que tiver que corrigir, anexa a pasta, despacha. Religiosamente igual, ano após ano.
Uma hora da tarde, levanta-se e vai à copa. Almoça a salada que trouxe de casa, sequer lembra o sabor que tem, bebe um suco de caixinha que comprou na máquina do refeitório. Quando acaba a refeição, limpa a mesa com um guardanapo, joga o lixo fora, lava seus talheres e, antes de voltar à sua mesa de trabalho, passa no banheiro, arruma os cabelos, escova os dentes, passa batom e sorri para si.
Trabalha o resto do dia pensando na volta, relembrando os passos que, invariavelmente, dará.
Cinco horas da tarde, pega o carro no estacionamento e retorna pelo caminho de sempre. Deve levar entre quarenta, quarenta e cinco minutos para chegar em casa.
Coloca o carro na vaga, pega o elevador, entra em casa.
Hoje, vai tentar aproximar-se, casualmente, procurar um primeiro contato.
Troca as roupas de trabalho pela de ginástica, calça os tênis, refaz os cabelos e retoca o batom, sorri frente ao espelho, coloca um perfume suave e sai para esperá-lo, fingindo fazer uma caminhada normal.
Seis e meia, ele deve estar chegando, trazido pelo mesmo carro que o levou pela manhã.
Vai e volta milhões de vezes, pela mesma calçada, faz e refaz o mesmo trajeto. A ansiedade entrecorta o fôlego, a emoção faz o coração palpitar na garganta, o medo vira suor frio.
Sete horas e o carro sequer despontou na esquina, as pernas tremem de aflição.
Será que teria acontecido alguma coisa com ele? Passou mal no escritório? Estaria em um pronto socorro? Ou, pior, teria sofrido um acidente na volta pra casa? Ou na ida? Ela não saberia em que momento teria sido, não sabia como ter notícias. Sabia onde ele morava, conseguira saber seu nome, mas a quem perguntaria se ele estava bem?
A aflição da espera pressionava seu peito, logo hoje que estava decidida a abordá-lo.
Sentou-se no banco e começou a desmoronar, comia o lábio, apertava as mãos e rezava.
Pedia a Deus que ele estivesse bem, que nada tivesse acontecido, que fosse só um atraso, ou um imprevisto qualquer, que fizera com que ele tardasse. Esperou, em lágrimas, até às nove horas da noite e ele não veio.
Voltou à sua solidão, que agora pesava toneladas, com a incerteza do que poderia ter ocorrido.
Adormeceu, encolhida na varanda, acordando, sobressaltada, a cada carro que parava.
No dia seguinte, continuou sentada na varanda, desarrumada, sem café, sem batom, sem sorriso.
E ele nunca mais veio.
Ela nunca soube o que aconteceu à ele, nunca saberia o que aconteceria à eles, se ela não tivesse esperado tanto tempo pra ter coragem de dizer: Boa noite.
Nunca mais passou batom, nunca mais sorriu frente ao espelho.

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