terça-feira, 12 de abril de 2011

SEJA FEITA A SUA VONTADE

Dia da inauguração do "Quisila do Capeta".
Jaqueline entra, esbaforida, acompanhada da comadre Benedita Sebastiana, conhecida como Bensa, Cidinha e sua filha Mary Help, nascida Maria do Socorro. Carregam dois caldeirões, um com  caldinho de feijão, outro com torresmos "cocrante", como anuncia Mary Help.
- Tudo em cima, Zequinha?
- E aí, Jaqui, caprichou no rega bofe?
- Num faço nada sem capricho.
- Tá uma belezura, diz Bensa.
- Deu uma trabalheira danada, mas tá deliça, completa Cidinha.
- Tu limpou direitinho a cozinha, Zequinha?
- Tá nos conforme. Tu mandou, obedeci, Jaquinha.
- Assim que eu gosto. Num vou botar meus pé na imundice.
- Tá limpinha, pode vê.
Elas descansam os caldeirões no fogão e vão conferir a limpeza geral.
- Meninas, vão dá uma olhada no bar e na mesa pra gente podê começá a arrumá o salão.
- Tia, diz Help, será que dá pra botá umas fror na mesa? Já que tem só uma, vamo enfeitá. No restaurante que eu vou, sempre tem fror nas mesa. É chique.
- Zequinha, diz Jaqui, arruma umas florzinha pra botá na mesa.
- Onde é que eu vou arrumar flor?
- Se vira. A Help disse que é fino botá flor. Ela anda em lugá caro e eles bota flor na mesa.
- Ai, meus colarinho, resmunga Zequinha, e sai pra catar flores nos terrenos próximos ao bar.
- Cumadi, diz Bensa, eu sei que vô ficá na cozinha esquentando os pedido, mas será que eu posso, de quando em vez, dá uma espiadinha na festa?
- Ô Bensa, hoje tá liberado, mas daqui pra frente teu lugá é na cozinha. Vamo levá no profissional, senão vira bagunça.
- Mami, vamo botá uns drinque nas bandeja. A gente prepara alguns, só pra dá um visual bacana, diz Help.
- Boa ideia, minha filha. Assim o povo saliva e pede um igual.
- Tua filha vai dá uma ajuda legal, Cidinha. A gente tá precisada de quem sabe das coisa de etiqueta.
- Ah, Socorro só vai a lugá de luxo, ela entende de finura.
- Tô vendo. Vai sê uma ajuda e tanto.
- Eu num tive chance de melhorá na vida, mas minha Socorro é preparada, graças a Deus.
- Você teve sorte, Cidinha, ela é uma menina de ouro.
- Que isso, gente, eu continuo simpres, sou a merma, só que ganho um poquinho mais.
- Que Deus te proteja do olho gordo, diz Bensa.
- Bom, vamo trabalhá, gente, ainda tem muito que fazê.
- Teu sobrinho vem que hora?
- Deve de tá chegando, ele num é de atrasá.
- Inda bem que ele vai tomá conta das bebida.
- E eu lá ia deixá os pé de cana vigiando as bebida?
Zequinha volta com um apanhado de flores murchas.
- Aí, Jaqui, tuas flor.
- Onde tu catou isso, home de Deus, no cemitério?
- Por que?
- Tá tudo seco, murcho.
- Ô Jaqui, tu vive em Bangu, aqui o sol nasce no chão. Tá seco porque num tem jeito, seca mesmo, com o calorão.
- Tá bom, Zequinha, dá lá pra Help pra ela vê o que pode fazê. Mas tu podia de tê comprado umas florzinha, né?
- A verba tá curta, já tô gastando por conta.
- Tudo que você tá gastando é por tua conta, sabia? Num vai entrar na divisão dos lucro, não.
- Cumé que é? Num tem reembolso?
- O acordado foi tu entrá com a grana, num vem dá uma de esperto.
- Eu pensei que o que eu gastei ia ser descontado e, aí sim, dividia o resto.
- E eu te falei pra num pensá, tu num tem treino.
- Tia, num tem cinzero na mesa?
- Tá proibido fumá em lugá público, antecipa Zequinha.
- Tu é unha de fome. Vai comprá uns cinzero pra botá na mesa.
- Compro nada. Vou pegá uma latinha vazia, corto no meio e pronto.
- Tia, num dá, né? Pega mal pra mim. Tem que sê cinzero de vrido.
- Ô Zequinha, a menina tá ajudando a dá chiqueza ao lugá.
- Seu Zequinha, a minha image tá em jogo, num posso deixá passá qualquer coisa. Tem que tê crasse. 
- Olha aqui, gente, num tô preocupado com classe, com finura, com nada dessas mer... meleca, não.
Só queria um lugazinho legal pra gente ouvi um sambinha, tomá uns gorós, dá risada, só isso.
- Então num devia de tê me chamado pra sê sóça.
- Eu chamei? Tu já chegô aqui de rainha, cag... ditando regra. Pô, Jaqui, um home tem limite!
- Cumadi, pega as panela com as menina, num vai tê tira gosto nenhum!
- Calma, Jaqui. Pega leve, Zequinha. Vamo baixá a fervura, diz Bensa.
- Calma uma pinóia. Eu tava na boa em casa, ele que inventô de me meter nessa furada!
- Num é furada, não. E se num quisé, tem gente que qué!
- Então chama teus pessoal, quero vê eles dá conta do serviço. Vai tudo cair no chão, mamado.
- Mulher e negoço num combina. Vem tudo querendo dá ordem.
- Olha como tu fala, rapaz. Tu tá no mundo porque uma mulher te pariu!
- Num xinga a minha mãe, não. Ela tá na santa paz do Senhor.
- Na paz, coitada, num tá não. Porque ela tá vendo a besta que botou no mundo.
- Tia, Seu Zequinha, que isso? A gente é tudo amigo, aqui. Vamo esfriá as cabeça.
- É ela que começô a briga.
- Tu que tirou a palavra e voltô atrás.
- Tu que torceu o trato. Num era isso que eu falei pro Nem.
- Tu encharcou o Nem de pinga e tentou dá o golpe.
- Encharquei?! Ele tomô duas cerveja, de graça, isso num dá nem pra saída.
- Tomô de graça, uma ova, o buteco é meu, também, ele tomô da minha parte.
- O MEU botequim é seu, também? Desde quando?
- Desde ontem, quando você me botô na sociedade.
- Se botei, tô tirando. Pode levar suas comadre e suas panela. 
- Olha só, seu Zequinha. Eu tenho um criente adevogado porisso eu sei o que tô falando, o senhô num pode de tirar ela, não. 
- Cumé que não? Tem nada escrito, é só de boca.
- Tem testemunha.
- Que testemunha?
- O Nem, ele é testemunha que você me deu sociedade.
- Marido num vale. E foi você que falou que ele vive mamado. Bebum num conta.
- E, ainda, te processo por difamação.
- Tu tá de brincadeira, Jaqui.
- Tô? Paga pra vê.
- Seu Zequinha, melhó deixá como tá. Se mexê vai dá dor de cabeça.
- Melhó escutá o bom conselho, minha filha entende desse negoço, ela trabalha com esse povo todo.
- Que que eu faço com as panela, cumadi?
- Que que ela faz, Zequinha?
- Volta com elas pra cozinha.
- Isso, seu Zequinha. E eu tenho uma surpresinha pro senhô.
- Que Deus me ajude!
- Relaxa, é coisa fina.
- Diz com cuidado pra festa num virá velório.
- Minhas amiga vai trabalhá de graça pro senhor.
- Fazendo o que?
- Bom, eu já sô "doruma", o senhô já sabe o que é, né?
- Sei, vai ficá na porta escolhendo quem entra, né?
- Isso. Elas vai sê P. R. Sabe o que é?
- Sei, não. Mas deve de sê coisa fina, né?
- Finíssima. É pubric releixon.
- Tudo bem, Socorrinho. Nem quero saber o que é. Entreguei pra Deus.
- Tá bem entregue, seu Zequinha. Com ele eu me entendo.

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