sexta-feira, 15 de abril de 2011

TESTAMENTO

Quando eu morrer, por favor, sejam breve nas despedidas, lembrem que já não estarei lá.
Quando esse momento chegar, estarei longe e inacessível, portanto nada de lágrimas.
Sei que é difícil dar adeus, não ter mais por perto alguém que se gosta, já passei por essa experiência.
Por ter vivido isso, sei que a dor é inevitável, mas a gente escolhe: se lamentar ou deixar a angústia escorrer.
Não me exponham, odeio visitação pública, fora que vou estar em meu pior momento. Não façam isso comigo!
Ao me vestirem, nada de melhor roupa, elas vão virar fumaça, melhor dar a quem precisa.
Podem botar uma roupinha velha, só me cubram as pernas, nunca gostei delas!
Flores, nem pensar! Não gosto do cheiro em vida, então, flores, nem morta!
Talvez, um ramo de amor perfeito nas mãos, se acharem. Mas não é essencial.
Prefiro que me cubram com fotos, qualquer foto de pessoas e lugares que amo, assim vão subir aos céus comigo e, como terei a eternidade pela frente, gostaria de ter imagens queridas me acompanhando nessa chatice. Sei que serão queimadas mas vou reter em algum lugar, sei lá onde.
No lugar de lamentações, música. Uma trilha sonora com as músicas que gosto, que pontuaram minha vida.
Mas, por obséquio, volume baixo, não suporto música alta, me atordoa e, embora vá estar surdinha, a ocasião não vai pedir. Portanto, boa educação nessa hora. Sejam moderados, também, no som.
Tem algumas que eu faço questão: My Way, Hotel California, In my life, The Long and Winding Road, Here Comes the Sun, Here There and  Everywhere, outras, que achem que têm a minha cara, podem escolher. Mas não esqueçam de rock, e, por favor, nada das esganiçadas, tipo, Mariah Carey, Celine Dion, nada de voz espremida, me irrita.
Bebam e dancem, por mim, celebrem, lembrando que a gente vive pra ter esse encontro, nada demais, c'est la vie!
Se alguém esboçar chorar, contem uma piada e riam, gargalhem, faz bem pra alma e ameniza a, provável, tristeza. O som da felicidade é fundamental pra quem parte.
Encham o espaço de boas lembranças, elas tiram o peso do luto.
Quando conversarem, escolham temas amenos, eles ajudam o tempo a passar mais levemente.
Coroas de flores, tirem do recinto! Não vou ver e nem levar comigo. Só prestam pra, depois, os floristas revenderem. Imaginem, flores reaproveitadas de defunto desconhecido! Não dou intimidade a quem não conheço.
Maquiagem, meus amados, sequer blush. Estando mortinha da silva, vai servir pra que? Não vou estar a fim de impressionar ninguém, deixem a pele descansar em paz!
Quando virem aquela carinha de pesar em alguém, saiam de fininho e não deixem o dito cujo se aproximar, faz mal pra saúde, coisa que vocês têm e devem preservar.
Quanto as orações, imploro, de joelhos, não permitam a entrada de quem queira encomendar meu corpo ou alma. Encomendar pra que? Deus já recebeu o pacote e, aqui na terra, quem vai encomendar o que não vai receber? Rezem, se quiserem, mentalmente.
Depressão, não! Nunca fui deprimida em vida e, esticadas as canelas, vou ficar p da vida e volto pra atormentar, em espírito, quem tiver a ousadia de tê-la. Canta que a depressão sobe.
 Este é só um caminho que chegou ao final, e vai ser assim com qualquer um.
Não mitifiquem, nem mistifiquem minha passagem por aqui, sou só mais uma mãe, mulher, amiga, parente, pessoa. Sem essa de ser especial, não fui uma pessoa excepcional, nunca tive a pretensão de fazer diferença.
Cuidado com os pitis, classe é fundamental. Nada de choro alto e convulsivo, desmaiar é coisa de jeca, não se atrevam a perder a elegância! Mesmo morta, quero manter a pose. E mantenham o prumo, vocês que vão assistir o último ato.
Não temo a velha senhora. A cada dia me aproximo desse encontro, do momento em que a foice vai cortar meu ar.
Vivam, cada dia, como  se fosse o último. Na verdade, não há novidade nisso. Todo dia é mesmo o último que se vive, já que ele não volta, foi, já era, nunca será de novo. A vida está repleta de últimos dias.
Guardem o que quiserem de mim, mas gostaria que fossem as bobagens que fiz ou disse.
Prefiro que me lembrem com um sorriso ou uma gargalhada, vai ser muito inconveniente lembrarem maus momentos. Nada de constranger quem não pode se defender. Pensem bem no que vão dizer de mim, cuidado!
Nem mencionem doenças, tenho pavor desse papo. Todo mundo vai querer falar de desgraça e, aí, vira competição, não é o momento de conhecer doenças piores, desenlaces medonhos. Quero isso bem longe, não permitam, por favor!
Perfuminho suave, cai bem. Uma gotinha em cada orelha e entre os seios, já tá de bom tamanho.
Me entreguem ao barqueiro, suavemente, de preferência em silêncio, vocês sabem que aprecio esse som. Quero fazer a travessia em ambiente calmo.
De resto, gosto de estar só, de morar em mim.
Quando minha hora chegar, me dêem uns minutinhos, sozinha, meu corpo e minha alma, se ela existe, precisam se encontrar pra se despedirem e, enfim, se separarem.
Não sofram, não chorem, não lamentem, nada disso vai mudar o curso desse rio que corre para o mesmo lugar de onde veio.
Esqueçam meu lado escuro, façam a luz de mim, em mim, pra mim.
Digam adeus e mais nada, quando eu me for.

3 comentários:

  1. Ok Ok...bem típico...a sua cara.
    Estava me programando para fazer uma cena...do tipo:"Me leva junto com ela!!!!!! Eu quero morrer!!!!..." Td bem...q seja feita a sua vontade...prometo me policiar, mas já digo de antemão: chorar?...impossível não...como assim? Sei q nascemos sozinhos e morremos sozinhos (vc me ensinou isso), mas como não chorar a sua ausência...só se minha esclerose já estiver em estágio avançado e nem reconhecer mais vc...combinado assim?
    Enquanto isso, posso aproveitar bastante e desfrutar esses 40 anos q ainda lhe restam? rsrsrs
    Bjssss

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  2. FODA, Angelous!! Mas admito que não gosto nem de imaginar como vai ser esse dia...

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  3. Não consigo imaginar minha vida sem você!!

    Te amo!
    Bee

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