sábado, 15 de fevereiro de 2014

NO PRINCÍPIO, ERA O VERBO.

Não procurava só a palavra, procurava o significado exato.
A palavra surgia, então.
Sempre buscou se fazer entender, não deixar nenhuma margem de interpretação errada.
Assim, começava seu mundo, com o controle da palavra.
Era a comunicação essencial que permitia o entendimento.
Pautava suas emoções e acordava com seu sentir, fazia com que fossem uma única manifestação, apresentava-os, um ao outro, para que exprimissem, sem dualidade, o que representavam.
E verbalizava, com precisão, seu raciocínio.
Não temia a exposição, era assim que devia ser, se queria a verdade, quase que exata, do que sentia ou pensava.
Tratava a palavra com cuidado, seu preciosismo era raro.
Reverenciava o verbo, lapidava o texto, enxugava excessos, tinha obsessão pela essência.
Era minimalista, na vida.
Só permitia que sua mão escrevesse o que fosse, absolutamente, objetivo, conciso, primordial.
Sabia que não era adjetivo, não usava superlativos.  Era substantivo.
Entendia que a simplicidade era mais forte e imponente que o rebuscado. E, significativamente, mais rica que o verborrágico discurso vazio.
Não pretendia parecer culta, não precisava ser vista como a mais inteligente.
Queria, simplesmente, escrever. Com a força, única e exclusiva, da palavra exata.
Sintetizava e concretizava.

Um dia, a poesia bateu-lhe à porta. Sem pedir licença, entrou em sua vida.
E palavras jorraram no papel, sem controle.
Perdeu o domínio sobre elas. Era como se tivessem vida própria.
A rebelião das palavras, por tanto tempo contidas, a fez refém.
Em um transe, quase mediúnico, transbordou seu represado rio de palavras e inundou folhas de construções, antes impensáveis.
Constatou que escrever é, antes de mais nada, deixar que o solo encharque e absorva o que for necessário, elimine o supérfluo, irrigue o suficiente. 
Coloriu as imagens, oxigenou a narrativa, deu vida às personagens.
E viveu através delas. 
Como se fossem reais, criou histórias para elas e desenvolveu-as, como se as estivesse vivendo.
Agora, podia ser muitas, podia ser todas.
Percebeu que a mágica de escrever ou viver, está em permitir-se.
Não ser sempre uma reta, deixa espaço para as curvas.
A comporta que rompeu-se para a poesia, abriu um leito para a dramaturgia, para a crônica, para o romance, passarem livres.
Era isso, viver! 
Desfrutar de cada página ou dia, com a narrativa que não deve ser determinada.
Deixar fluir as águas, não criar barragens e acreditar que o sentido disso, fica para o final.
E se, por acaso, não souber como amarrar tantas vidas e histórias, acreditar que viveu um realismo fantástico, onde nada precisa fazer sentido. senão viver.

 Como na literatura, há que se ser livre, permitir-se possibilidades de leituras diferentes, emprestar situações não convencionais à realidade, sair da zona de conforto e adentrar o improvável.

Era um perfeito haicai, no começo.
Hoje, sem roteiro definido, é protagonista de uma obra aberta.
Até que uma palavra definitiva se imponha.

FIM.








4 comentários:

  1. Excelente texto!

    Espero que o FIM venha bem longe ainda!!

    Bom fim de semana

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  2. Eu, também, espero que todos os "FIM", fiquem bem longe.
    Mesmo sabendo que tudo na vida tem um fim, queremos que seja o "SEMPRE" que vença.
    E que a poesia (vida), prevaleça.
    Gosto demais de sua visita.
    Que seja um dos meus "SEMPRE".
    Beijo, São.

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  3. Perfeito, desde o titulo até o fim. Parabéns!

    Blog Prefácio

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    1. Sil.
      Dando uma olhada em seu blog, vi que você é uma pessoa que ama livros, portanto, ama as palavras.
      Tomei, então, seu comentário como uma aprovação. E fiquei muito feliz.
      Obrigada.
      Beijo.

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