quarta-feira, 11 de abril de 2012

TODOS OS SENTIDOS

Ainda hoje, tenho dificuldade em escolher o que comer.
Fora os dias em que bate um desejo irrefreável de encarar uma feijoada, uma moqueca ou algo assim, é um parto decidir, seja em restaurante, seja em casa.
Sempre acho que podia ter pedido ou feito outra coisa.
Se é buffet, fico olhando por horas, esperando que meu cérebro determine que é aquilo mesmo que eu quero comer, que está na quantidade exata do meu apetite, que minhas papilas gustativas vão ser saciadas, enfim, se eu vou ficar satisfeita com a minha escolha. Na maioria das vezes, fico com a sensação de que faltou alguma coisa ou de que exagerei em outra.
Quando criança, a vida é mais fácil, escolhem por nós, determinam nosso desejo e estamos conversados. É aquilo e lambam os beiços.
Nos chamam nas horas precisas, café da manhã, almoço, lanche, etc.
Em casa de meus pais era proibido comer fora de hora, além do dinheiro curto, minha mãe não se prestava a fazer a vontade dos filhos.
Quando estava de bom humor fazia um agrado extra, um pavê, uma torta, mas era muito raro.
Cozinhar prá ela era obrigação, nunca foi prazer, embora cozinhasse bem.
Cresci saudável e despreocupada com a mesa, sentava, comia, agradecia e ponto final.
Saindo das asas protetoras, a porca torceu o rabo. A dúvida me assaltava em uma simples ida à padaria. Será que comia pão doce, sanduíche, croquete?
Restaurante, cardápio, variações de pratos, era uma bagunça na minha cabeça e o desejo por algo não se definia. Quero carne ou peixe? Batatas fritas ou cozidas? Salada de entrada ou frios? Eterna dúvida e constante arrependimento. Meu estômago e meu cérebro não conseguiam chegar a um acordo. Era cada um por si.
O resultado é que tenho preguiça de comer, como por necessidade, deste pecado, a gula, estou livre.
Deve ser por isso que tenho outros pecadilhos, nenhum pecado capital, nada muito comprometedor.
Todo mundo tem uma compulsão, tenho a minha e não vou me expor.
Canalizei meu apetite prá outras coisas, nada imoral ou ilegal, mas meu prazer desviou-se da mesa.
Fora o paladar, meus outros quatro sentidos são exacerbados. E ainda tem o sexto, hiper desenvolvido.
Pressinto encrenca longe.
O diabo é que pressentir não me afasta dela, por vezes me atrai, mesmo sabendo que vou me estrepar.
Como uma mosquinha atraída pela aranha, caio na teia e fico presa. É uma dureza, depois, me desvencilhar da cilada que eu pressenti. Confio nos meus instintos mas, mais de uma vez, meu cérebro não acompanhou minha intuição. Vou morrer sem acertar esses ponteiros.
Minha visão já não é a mesma, literalmente falando. Óculos de leitura dão uma ajuda considerável. Mas enxergo além do que vejo, não sei se é pretensão ou se leio, mesmo, o que não é visto. A verdade é que, quase sempre, enxergo o outro com raio x. Não tenho controle sobre isso. Quando percebo, já estou analisando, até porque o corpo fala e desmente muitas palavras ditas. Eu percebo, não me pergunte como.
A contradição é transparente, prá mim. Chega a ser aflitivo, querer me desconectar da lucidez.
O olfato é um sentido canino, em mim. Vou longe na lembrança de cheiros que me lembram alguém, algum lugar, minha memória emotiva é ativada e desembesta a me remeter à coisas que quero, às vezes, esquecer. Farejo, esse é o verbo, sou uma perdigueira, me guio pelo olfato. Por isso, adoro um bom perfume, suave, discreto, insinuante. Como um cão, odeio odores fortes. Cheiro de limpeza, de capim depois da chuva, de terra molhada, de maresia, são afrodisíacos. Odores desagradáveis agridem meu olfato. 
A audição é o sentido que me dá alegria ou tristeza, prazer ou angústia, sou, reconhecidamente, emprenhada pelos ouvidos. Adoro música, em um volume suportável, que eu possa ouvir sem arrebentar os tímpanos, que permita conversa sem gritos. Amo as palavras e o que é feito com elas.
Tomo cuidado com o que digo, quero ser entendida, as palavras precisam de objetivo, mesmo quando jogadas fora, se é essa a intenção. Sou uma boa ouvinte. Tenho prazer em buscar a palavra exata, a que encaixa, a palavra redonda, sem arestas ou que dê margem à outra interpretação que não seja àquela que me fez dizê-la. Mesmo as metáforas precisam de clareza. Uma única palavra pode destruir um encantamento. Por exemplo: "Queria te encontrar mas...". Não, por favor, o "mas" quebrou o fluxo, depois do "mas" pode dizer o que quiser- e pode até ser "eu te amo"- os ouvidos fecham e a boca amarga. Palavra mal encaixada não se diz e, principalmente, faz com que não se ouça o restante.
Por fim, o tato. Ah, o tato é tudo. Com ele vamos ao céu. Os desprovidos dele são grosseiros. Tatear, descobrir, desbravar, buscar o prazer, a sensação, desenhar com a ponta dos dedos, experimentar texturas, fazer a química acontecer, devagar, saboreando a reação.
Fora o ter tato ao lidar com o outro, mas esse é outro tato.
A eterna procura do amor tem todos os seis sentidos e mais um agregado. Esse estranho no ninho dos sentidos se chama confiança.
Confiar em que todos eles vão te levar à alguma concretude e que, se um deles falhar, ainda assim será possível se equilibrar entre os outros.
Mas, preste muita atenção ao que o sexto soprar em seu ouvido. Geralmente, ele está certo!
Aí, não adianta ter intimidade com os outros sentidos.
Quando o sexto sentido gritar: ENCRENCA!, corra, porque os outros sentidos vão tentar iludir e trapacear, fingir que é alarme falso.
Embora com quatro sentidos apuradíssimos e um meio capenga, é o sexto sentido que me guia na vida.

Um comentário:

  1. ANGELA,

    ficaria horas aprendendo tudo com você!

    Sentindo, com você agora, todos os seus sentidos é que eu vejo , quanto ainda falta em mim, sentir a vida como você o faz.

    E sempre que passo por aqui, saio muito mais recompensado por tudo e todas as coisas de que quando eu entrei.

    Acho que é por uma simples razão: eu sinto!

    Quer que minta?

    Um abração carioca.

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