domingo, 18 de março de 2012

CARTA A UM DESCONHECIDO

Meu caro amigo.
Não sei quem você é, sei que preciso de você.
Queria te dizer de mim, queria saber de você, de sua vida, de seus sonhos.
Queria ser aquela que compartilha momentos bons, ser a que protege de momentos maus.
Queria conhecer quem me tira o sono, me faz ficar desperta, me acompanha na vigília.
Tenho você em mim, dentro de mim.
Tenho uma vida tranquila e centrada. Ou tinha.
Tenho histórias prá contar e tempo prá ouvir outras narrativas, novas, estimulantes.
Queria te conhecer.
Queria encontrar esse amigo que habita meu imaginário, que entra, sem ser esperado, no meu espaço tão duramente preservado, que invade meu tempo, que rouba minha solidão ao me fazer companhia.
Queria, meu amigo, dar voz e corpo a uma sombra que surgiu.
Queria desfrutar essa comunhão, essa aproximação.
O fato de você não existir no meu mundo, me faz querer viajar por outros, buscando o que nos seja comum.
Na verdade, não deveria conhecê-lo, não quero quebrar a força que me mantém, não quero perder o juízo. Ou será que já perdi?
Você se tornou o ideal e inatingível, a possibilidade remota e perseguida, o motivo e a razão.
Criei esse amigo, fui criada por ele. Esse amigo me entende, estimula, acompanha e preenche, me afoga em esperança.
Gosto de saber que você existe, gosto de te procurar em pessoas impossíveis.
Me impulsiona saber que essa procura pode ter fim, ao achá-lo.
Saiba, querido amigo, que sua casa é minha cabeça, ninguém entra ou sai dela sem minha permissão.
Entenda que te protejo porque você mora em mim, em um território escriturado, com aviso de "Não transpassem".
Amigo querido, você e eu nos pertencemos porque somos estranhos, sem passado, talvez sem futuro.
Nos aproximamos porque estamos afastados, porque somos a possível impossibilidade.
Somos amigos porque não nos conhecemos, porque não temos interferências, ruídos, porque imaginamos, criamos, e mantemos laços estreitos de afeto, desatamos nós antes de serem apertados, respiramos através das letras.
Não sei quem você é. Você me escapa entre os dedos, não aprendi a retê-lo.
Murmuramos entre nós, dialogamos mentalmente, já nos pertencemos.
E, ao pensar em você, construo um lugar, o mais próximo possível da felicidade.
E tenho muito tempo, ainda, prá encontrar a alegria que guardamos prá nós.
Com você, posso ser outra.
Meu mundo se expande, meu afeto me espanta, tua presença, ausente, me acompanha. Tenho alguém, mesmo não te tendo.
Tenho a certeza de ter achado, no meu último momento, o que esperei a vida inteira.
Simples, assim.
Com amor...

Um comentário:

  1. Oi Angela,

    que este seu amigo desconhecido jamais se torne realidade, pois afinal se lhe desperta tantas e confortáveis lembranças e ideais expectativas, seria aconselhável que nunca fosse vivo e real, afinal, esta tal da realidade cotuma ser sempre muito pior do que a imaginária.

    Não é aconselhavel que vivamos entre as brumas de nossas projeções íntimas e fantasiosas interiores, no entanto que é o dono da verdade?

    Um abração carioca.

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