quinta-feira, 1 de setembro de 2011

SER X TER

Ando sofrendo de um terrível sentimento de exclusão.
Não saberia determinar quando esse mal começou, sei que estou contaminada e não sei o que fazer.
Percebi que, quando estou entre amigos, não consigo me encaixar no grupo, não sou capaz de acompanhar a conversa. Minhas opiniões não são relevantes, sequer entendo sobre o que estão falando.
Pouquissimas pessoas deste círculo prestam atenção em mim, pra falar a verdade, acho que nenhuma.
Pertenço a uma classe decadente, a das pessoas que valorizam ser ao invés de ter.
Não sei ser rasa, superficial, às vezes peso a mão, eu sei. Peso quando aprofundo a discussão sobre, por exemplo, Louboutin ou Manolo. Entendo que os pés que calçam um ou outro, são simplesmente pés que sustentam um corpo imbuído de intelecto, pele, ossos, músculos, um ser que se sustenta sobre dois pés, que evoluiu, que pensa e decide. Entedio os outros porque a discussão é sobre valor de mercado e não sobre valor essencial.
Não sei nada sobre valor agregado, capital de giro, mercado de luxo, sei que a grande questão é o que fazer com as pessoas que não se importam em usar uma roupa qualquer, sem levar em conta sua grife.
Roupa é pra proteger a pele do calor ou do frio e a sociedade da nudez que poderia afrontar.
Aí, inventaram que o poder está em ter marcas caras e visíveis. Pra isso colocaram etiquetas, logos, símbolos que demonstrem o poder econômico.
E é um tal de Chanel pra cá, Dior pra lá, Louis Vuitton, Versace, quanto mais grifado o closet mais importante o proprietário dos penduricalhos. E são, simplesmente coisas, não determinam as pessoas, ao contrário, esvaziam as possibilidades de ser. É aí que fico inconveniente, que me torno inferior.
Não tenho closet, tenho armário, não tenho grife, tenho roupas confortáveis, algumas atuais, que me vestem, não carrego a compulsão de aparecer pelo que uso, sou e é isso que me importa.
Alguns diriam que sou assim porque não posso bancar luxos supérfluos, mas já pude e, nem assim, pagava pela vitrine que podia mostrar. Sempre ouvi que dinheiro não aceita desaforo e acho um desaforo classificar as pessoas pelo número de grifes que carregam no corpo.
Hoje em dia, se você não tem um carro imponente, uma casa montada pelo mais caro decorador, roupas exclusivas e caras, enfim, um exterior de dar inveja, você é um zero à esquerda.
Você se mata de trabalhar (em algumas "profissões", roubar), prá fazer parte dos grupos de destaque, pertencer a "alta roda", ser visível pelo que tem.
Deixe que eu me apresente: não sou rica, não me endivido prá mostrar a sola vermelha do meu sapato, penso (logo, existo), não discrimino nem julgo uma pessoa pelo que veste ou pelo que tem. Gosto de gente que me estimule o raciocínio, que troque conhecimento, sabedoria, cultura, que não tenha o olhar viciado em estereótipos, que procure arrancar do, aparentemente, nada, uma partícula de personalidade, de individualidade (no bom sentido), que se destaque da manada.
Você nada é sem ser. Ter não vai fazer diferença, se você não for. Ser é definitivo, ter é transitório.
Não tenho nada e quando me for, nada é o que vou levar.
Em compensação, quando a velha senhora me pegar a mão, deixarei o que fui, o que disse, o que plantei, o que pensei.
Não posso mudar a maneira de pensar dos "amigos", eles são materialistas e se reconhecem pelo que têm. Não deixo de gostar deles pelo que são, mas, quando nos reunimos, sinto essa terrível sensação de exclusão, por não ter os bens que eles acham que é importante, por ser diferente, ser gauche, como dizia o poeta, por não poder aprofundar um bom debate, por não ser entendida. Acho que eles me vêem como uma pessoa excêntrica, o bichinho de estimação deles, a pobrezinha que só consegue usufruir os prazeres da vida através deles, uma pequena obra de caridade dessa fraternidade.
No fundo, acho uma pena eles não usarem o poder do dinheiro pra melhorar suas perspectivas, comprar livros e instrução, obras de arte, apurar o olhar, enxergar que tudo o que, realmente, pertence à eles é a soma do que cultivam dentro de si, que o ter, é simplesmente o que podem comprar e acumular. Eles poderiam se tornar decoradores de seus interiores.
Sou inferior em posses, sou tremendamente inferior em bens aparentes, mas tenho outras prioridades, tenho alguns bens que acumulei: livros, que me ajudaram a preencher e saciar minha ignorância, filmes que me sensibilizaram e me mostraram outras possibilidades, pessoas que me ensinaram a ser e pensar diferente, pessoas que servem pra somar, nunca pra excluir.
As grifes vão continuar dominando mas jamais poderão superar um ser que é, independente do que aparenta ser, por não poder ter.

2 comentários:

  1. Olá:

    Foi bom conhecer este blog. Gostei. Gostei muito.

    Um beijo.

    Nita

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  2. É isso!!!

    Infelizmente as pessoas, hoje em dia, são aquilo que suas bugigangas e quinquilharias dependuradas, tentam demonstrar.

    Uma superficialidade de comportamentos que afasta pessoas com um mínino de conteúdo que exptrapole , como bem disse, a simples necessidade de ter.

    São tempos difícieis, estes que estamos vivendo, no qual a inversão de valores levam pessoas a confundirem:

    "Carolina de Sá Leitão, com uma simples,caçarolinha de assar leitão".(rs)

    Fazer o que , né?

    Um abração carioca.

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