segunda-feira, 12 de setembro de 2011

SALVANDO O DOMINGO

Domingo é dia de preguiça, dia de procurar o que fazer e, na maioria das vezes, fazer besteira.
E lá estava eu, bestando às onze da manhã, tomando café no sujinho com o amigo de sempre.
Olhávamos em volta, buscando assunto, tentando preencher o silêncio.
- Olha lá, aquela ali.
- Qual?
- Aquela de óculos escuros.
- Aquela de verde?
- É, coitada.
- Por que, coitada?
- Deve ter passado uma noite de cão, não aguenta nem encarar a manhã.
- Ou chorou a noite toda ou não teve forças prá tirar a maquiagem. Deve estar com olheiras de noite mal dormida.
- Ou, se não tirou a maquiagem, deve estar com cara de urso panda.
- Tô achando que levou um pé na bunda.
- Pode ser, mas que viveu intensamente a noite passada, lá isso viveu.
- É. Melhor um pé na bunda que nada.
-É.
Silêncio. Sopro o café prá esfriar um pouco. Odeio extremos, muito quente, muito frio, muito ou pouco qualquer coisa.
Meu amigo suspira e pede um croissant com muita manteiga.
- Para de entupir as veias com gordura.
- Se não entupir com gordura, vou entupir com o que?
- Você tá precisando de exercício, melhora o astral.
- Falou a rainha da academia.
- Sério, ajuda.
- Se ajudasse, não estaríamos aqui, matando o que nos mata.
- O tempo.
- É.
Silêncio.
- Reparou naquele cara de terno?
- Às onze da manhã de um domingo?
- Deve ser algum segurança.
- Ou vai a algum evento importante.
- E passa, antes, num sujinho prá tomar café?
- Pode ser.
- Não pode, não. Definitivamente, trabalha em segurança. Ou vai trabalhar, ou acabou de sair do plantão.
- Talvez. Agora ele vai prá casa, tirar o terno, botar uma bermuda e um chinelão e sentar na frente da televisão até cair no sono.
- Isso se as crianças e a mulher deixarem.
- Por que não deixariam?
- Porque é domingo, dia consagrado à família.
- Dia de descanso.
- Dia de lazer.
- Dia de curar ressaca.
- Dia de merda.
- É.
O tempo passa, lentamente, em silêncio.
- O que você vai fazer, hoje?
- Sei lá. O de sempre. Ler o jornal, almoçar por aí, voltar prá casa, ler um livro.
- Acho que vou pegar um cinema.
- Domingo?
- Não?
- Se você quer chateação, é um bom programa. Fila, sala cheia, pipoca, barulho de papel de bala, celular. Boa escolha.
- É. Acho melhor, não.
- É.
- E praia?
- Socorro!
- É, tem criança espirrando areia em volta, cachorro, churrasquinho, frescobol.
- Uma corrida de obstáculos.
- Uma chateação só.
- Prá que existe domingo?
- Prá gente pensar na vida.
- Ou prá pensar na vida que os outros levam.
- Ou prá inventar uma vida para os outros.
- Ou prá ficar falando besteira.
- Entra domingo, sai domingo, e a vida continua igual.
- Queria me apaixonar.
- Você e a torcida do Flamengo.
- Junto com a do Corintians.
- Pois é. Vai sonhando.
- Eu poderia me apaixonar.
- E eu poderia ganhar o Nobel da imbecilidade.
- Cruzes, você, realmente, se leva a sério.
- Né, não?
- Tem razão, você é um imbecil.
- Obrigado. Concordamos em alguma coisa.
- Acho que vou dar uma caminhada, respirar, suar.
- Excretar a cana da noite passada?
- Nem bebi.
- Nem um pouco?
- Nada.
- Tá explicado.
- O que?
- O desânimo.
- Bebida não me anima.
- Mas anestesia.
- Parece um alcoólatra, falando assim.
- Melhor um alcoólatra conhecido que um alcoólico anônimo.
- Não tem graça nenhuma.
- Eu sei.
- Vamos lá prá casa, eu preparo uma macarronada e vemos uns filmes.
- Tá doida? Teu macarrão é "unidos, venceremos" e teus filmes são umas xaropadas europeias. Tô fora.
- Então, tá. Passa o domingo gemendo, resmungando, praguejando.
- Vou à missa.
- Você é ateu!
- E você é à toa.
- Cretino!
- Rabugenta!
- Cínico!
- Mal amada!
- Ai, Deus, o que seria do domingo sem você na minha vida?
- Um tédio.
- Continua um tédio, mas com você.
- Só por essa declaração, eu vou prá sua casa, mas eu cozinho e, enquanto você vê seus filminhos, eu tiro um cochilo no sofá.
- Vai parecer um casal de meia idade.
- A não ser que você queira algum benefício extra.
- E se eu quiser?
- Vou ser seu objeto de prazer.
- Convencido. Quem disse que você me dá prazer?
- Se não dou, você sabe fingir bem.
- Então, vamos lá, tentar aproveitar esse dia.
- Salvar o domingo.
- Ainda acabo gostando desse dia.
- Prometo dar o melhor de mim.
- É melhor dar mesmo, prá fazer valer a amizade.
- Todo domingo é a mesma coisa.
- Ainda bem que somos amigos com benefícios.
- Salva a secura da semana.
- Seu Zé, fecha a conta.
- Que o domingo tá fechado!

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